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| - Um roteiro online com vinte e oito vídeos, vários textos explicativos e testemunhos de terceiros, tudo com o objetivo de explicar “o que é a homossexualidade, as causas que provocam a atração por pessoas do mesmo sexo, assim como experimentar o processo de coaching de identidade”, para percorrer “o caminho para a heterossexualidade”, exatamente o nome do curso. A suposta formação foi noticiada, há poucos dias, em língua espanhola, pelo site ACI Prensa, a Agência Católica de Informações, e, depois, partilhada nas redes sociais.
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O corpo da notícia dá conta de um comunicado da mentora do curso, Elena Lorenzo, uma mulher alegadamente com anos de experiência em acompanhamento de pessoas com atração por outras do mesmo sexo, que garante que a formação não “não é uma terapia”, mas sim “um processo de crescimento pessoal dirigido a pessoas com sentimentos homossexuais”.
No Facebook, os comentários sucedem-se, uns mais indignados que outros, a grande maioria a criticar o curso de reconversão ou reorientação sexual: “Isto é grave, há muita gente a recorrer a estes gurus fanáticos por motivos religiosos, sobretudo de meios conservadores”, afirma um leitor. “Como é possível estarmos em 2020 e ainda existir isso?”, pergunta outro.
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Também nas redes portuguesas a indignação se fez sentir:
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Será, então, verdade que esta formação existe?
A resposta é sim, como o comprova o site oficial da iniciativa. Logo na página principal, surge um vídeo da sua mentora, onde Elena Lorenzo diz: “Se é uma pessoa que experimenta sentimentos homossexuais não desejados, este curso é para si. Nele, apresento-lhe outras opções que, quiçá, não tenha contemplado. Se é pai, educador, religioso, este curso dá-lhe a possibilidade de formá-lo para dar apoio aos seus.”
O Polígrafo falou com Rui Ferreira Carvalho, psiquiatra e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, que confirma que “pela descrição do curso, parece evidente uma tentativa de terapia de conversão”, o que lhe causa “preocupação”, uma vez que “estes percursos não são empiricamente validados, não são éticos e são fortemente desaconselhados pela comunidade científica, podendo, inclusivamente, ser prejudiciais para a saúde mental das pessoas que se submetem aos mesmos”.
O Polígrafo falou com Rui Ferreira Carvalho, psiquiatra e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, que confirma que “pela descrição do curso, parece evidente uma tentativa de terapia de conversão”
Voltando à página do curso, a coach, que não tem qualquer formação em psicologia ou medicina, ataca precisamente os profissionais de saúde mental: “Um grande número de psiquiatras, psicólogos e terapeutas escolhem a terapia de ‘afirmação gay’. Você costuma ouvir ‘aceite a sua realidade, aceite-se tal e qual como é, e saia do armário, só assim será livre e feliz’. Frases que compram alguns, mas que não convencem todos. O coachingde identidade éum processo guiado no qual ajudamos a pessoa a reencontrar-se com a sua identidade.”
Sobre a legitimidade da formadora, o sexólogo Rui Ferreira Carvalho adianta que esta mulher “não tem, à partida” competências para lidar com questões relativas à orientação sexual e à sexualidade, que devem ser “acompanhadas por profissionais integrados em ordens profissionais, nomeadamente médicos, psicólogos ou psiquiatras, preferencialmente com formação em sexologia clínica”. O médico diz também que “a orientação sexual não é estanque nem dicotómica, havendo muito mais possibilidades do que, exclusivamente, ser-se homossexual ou heterossexual”. O profissional, que exerce no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, dá como certo que nenhuma intervenção cientificamente validada muda a orientação sexual de um pessoa.
É verdade que a alegada terapeuta nunca diz, preto no branco, que vai mudar a orientação sexual dos pacientes, preferindo eufemismos como “coaching de identidade” e “reencontro com a identidade”, palavras subtis que sugerem a repressão de “sentimentos homossexuais”. Há apenas quatro meses Elena Lorenzo foi punida pela Comunidade de Madrid, ao ser condenada a pagar uma multa de mais de 20 mil euros por promover terapias que “curavam”a homossexualidade, o que em Espanha é uma infração muito grave à lei de proteção integral contra a fobia LGBTI.
Desengane-se quem pensa que ficam por aqui os pormenores que indignam a comunidade científica: o curso não é gratuito, custa 195 euros – isto porque está em promoção, porque caso não estivesse, seriam 245 euros. Para Rui Ferreira Carvalho não há dúvidas: “Sendo algo não validado cientificamente, que não terá os resultados prometidos, parece-me uma forma predadora de se aproveitarem de angústias muito íntimas de pessoas em sofrimento e em conflito consigo próprias, com a família, com a sociedade.” O médico deixa claro que estas questões“ de homofobia e de homofobia interiorizada deverão ser abordadas e acompanhadas em terapia clínica”.
É verdade que, desta vez, o exemplo é na vizinha Espanha. Porém, em Portugal há cursos semelhantes. Exemplo disso foi a polémica conhecida do ano passado, pelo facto de existirem psicólogos, psiquiatras e padres da Igreja Católica a promoverem grupos secretos para curar homossexuais, em Lisboa. Apesar da distância física entre os dois países, as terapias podem não estar assim tão distantes. Isto porque através das ligações do Facebook é possível ver que uma das psicólogas que terápromovido as sessões em Portugal, Maria José Vilaça, é próxima da terapeuta espanhola que agora vende o curso na Internet.
Em conclusão, é verdade que existe uma formação online em Espanha, mas que pode ser feita por pessoas portuguesas, que promete mostrar a homens e mulheres, com “sentimentos homossexuais”, o caminho para a heterossexualidade. O que não é verdade, de acordo com um vasto testemunho científico e com inúmeros relatos de associações e grupos LGBTI, é que estas terapias tenham o resultado prometido.
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Avaliação do Polígrafo:
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