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| - “As paredes falavam quando ninguém mais falava: notas auto-etnográficas sobre o controle do poder sexual na academia de vanguarda”. Este é o título do artigo académico que tem feito correr tinta na comunicação social (ou caracteres nas redes sociais) desde que Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins, dois professores do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, foram reconhecidos como as personagens de “professor estrela” e de “aprendiz”, respetivamente, no texto.
As acusações são feitas por três antigas investigadoras do CES, entre elas a portuguesa Catarina Laranjeiro. Após o artigo ser publicado e já após os dois visados negarem os factos descritos, há mais mulheres a fazer relatos semelhantes contra o diretor emérito do instituto, que já veio informar que irá avançar com uma queixa-crime por difamação.
Mas será que o documento académico serve enquanto denúncia dos factos relatados pelas investigadoras?
Em primeiro lugar, importa esclarecer o crime de importunação sexual está previsto no artigo 170.º do Código Penal, tendo por objeto de proteção o bem jurídico “liberdade sexual”, protegido nos termos dos artigos 25.º e 26.º da Constituição. O tipo criminal em questão envolve a conduta de importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando proposta de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
Estamos perante um crime semipúblico, ou seja, “o respetivo procedimento criminal depende de apresentação de queixa do ofendido, salvo se for praticado contra menores ou se dele resultar a morte ou o suicídio da vítima, casos em que é público”.
Contactada pelo Polígrafo, Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho, explica que a questão da apresentação de denúncia pode ser discutida em vários planos. De um ponto de vista amplo, esclarece que, “no plano criminal, se pode fazer uma denúncia contra incertos e compete ao Ministério Público averiguar, com os meios que tem ao seu dispor, quem é essa pessoa incerta”. Ou seja, no caso de não ser possível identificar um agressor, por exemplo, “não precisa de ter diretamente o nome, basta conter elementos que permitam ao Ministério Público investigar”.
“Do ponto de vista de um eventual processo cível, ou processo laboral, não pode ser assim, porque mudam os pressupostos e aí eu tenho de identificar concretamente a pessoa, ainda que a identidade da pessoa que denuncia seja anónima, a do denunciado não. Tem de ser apresentado o nome, cargo e as circunstâncias factuais”, informa a advogada.
Garcia Pereira refere que, no entanto, no caso concreto de alegado assédio sexual em Coimbra, é necessário identificar as pessoas acusadas e, principalmente, “fazer a denúncia às autoridades competentes“. Assinala que o documento académico “não é uma denúncia” e que mesmo os elementos identificativos que permitiram a revelação da identidade dos professores, “não fazem com que seja uma denúncia, porque em sentido rigoroso, a denúncia tem de ser feita às autoridades competentes”.
Neste caso, apenas se este crime se constituísse como público, é que o Ministério Público, perante as suspeitas levantadas, poderia abrir um processo de investigação. Não parece ser o caso tendo em conta o que se sabe. A advogada alerta ainda que mesmo que as vítimas queiram neste momento fazer queixa formal, em princípio, já não o poderão fazer. Isto, “porque a queixa tem de ser feita no prazo de seis meses após o conhecimento dos factos”.
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Avaliação do Polígrafo:
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