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| - “Sempre houve alterações climáticas, uma delas foi a chamada Pequena Idade do Gelo que provocou um arrefecimento global que começou no século XV e terminou em meados do século XIX”, escreve-se numa publicação do Facebook. A acompanhar esta descrição surge um gráfico que mostra os eventos da atividade solar entre o século VIII e o século XX.
Confirma-se?
Entrevistado pelo Polígrafo, o investigador do Instituto Dom Luiz e professor de climatologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ricardo Trigo começa por explicar que “tem sempre havido variabilidade climática em muitas escalas temporais”. “No passado – há 500, 5.000, 50.000 ou 5 milhões de anos – há grandes variações e nós sabemos muito bem por que razão houve essas variações”, sustenta.
Também Alfredo Rocha, professor de meteorologia e climatologia na Universidade de Aveiro, destaca que, dependendo da escala temporal analisada, é possível encontrar alterações climáticas: “Se analisarmos escalas temporais de poucos milhares de anos, vamos encontrar alterações climáticas que ocorreram não de origem humana, mas de origem natural.”
Ricardo Trigo estudou, em conjunto com o investigador espanhol José M. Vaquero, o impacto da atividade solar e das manchas solares no clima do milénio passado e explica que os fatores de variabilidade são bem conhecidos: “Nós sabemos exatamente porque aconteceu, tanto a subida [da temperatura] como a baixa. Nós sabemos que, na panóplia de mecanismos que forçam o clima, há dois naturais muito importantes, que são a atividade solar e os vulcões”.
No entanto, o investigador sublinha que essa variabilidade climática ocorrida no passado “não tem nada a ver com o pânico em relação às alterações climáticas que já estão a ocorrer”, uma vez que estas últimas ocorrem “a uma taxa muitíssimo mais rápida do que as condicionadas pelos fatores naturais”.
Os ciclos solares (que têm a duração média de 11 anos) e a atividade vulcânica são fatores externos ao clima, mas com grande influência. Quando a atividade solar atinge valores mais altos é previsível que se verifique uma subida da temperatura na Terra, quando atinge valores mínimos – nos últimos mil anos houve quatro grandes mínimos: Oort Minimum, Wolf Minimum, Spörer Minimum e Maunder Minimum – a temperatura registada no planeta apresenta uma tendência decrescente.
No caso dos vulcões, a libertação de poeiras e gases para a atmosfera causa um efeito de arrefecimento temporário: “Vulcões muito intensos fazem baixar a temperatura global ou regional, mas é só durante um ou dois anos”, sublinha o investigador.
Entre os séculos X e XIII, o hemisfério norte registou uma temperatura amena – incluindo na Gronelândia, cujo nome descreve uma ilha de terra verde –, mas nos séculos seguintes foi registada uma descida acentuada da temperatura, que ficou conhecida como Pequena Idade do Gelo. Este período coincide com três dos quatro mínimos de atividade solar registados nos últimos mil anos. “Na Idade Média, no período da Pequena Idade do Gelo, as principais causas [para as alterações climáticas] que se têm apontado são, sobretudo, a variação do fluxo solar, a atividade vulcânica, entre outras”, reforça Alfredo Rocha.
A situação mudou a partir do século XX e a temperatura começou a subir. Dois fatores podem estar na base desta mudança: o aumento dos picos de atividade solar e a emissão de gases com efeito de estufa associada à revolução industrial do século XIX.
O investigador Ricardo Trigo esclarece que “entre 1900 e 1950, os picos de atividade solar aumentaram”, sublinhando que “não foi 100% claro que o aumento global da temperatura nesta primeira metade do século XX fosse independente do aumento da atividade solar”. “No entanto, nos últimos 40 ou 50 anos a atividade solar está a baixar, os últimos ciclos solares são claramente mais baixos do que foram no início do século”, expõe Ricardo Trigo.
De facto, como é explicado por Valentina Zharkova num editorial da revista “Temperature”, o Sol entrou num Grand Solar Minimum que deverá durar entre 2020 e 2053 e que “irá conduzir a uma redução significante dos campos magnéticos solares e da atividade como durante o Maunder Minimum que levou a uma notável redução da temperatura terrestre”.
No entanto, os dados disponíveis e as previsões apontam para um aumento contínuo da temperatura do planeta, mesmo com a diminuição da atividade solar. Um gráfico disponibilizado pela agência norte-americana NASA mostra que apesar da diminuição da irradiação solar registada nos últimos anos, a temperatura terrestre continua uma tendência de subida.
Por isso, Ricardo Trigo deixa um alerta: “As alterações climáticas estão a acontecer a uma velocidade vertiginosa. Não têm absolutamente nada a ver com a variabilidade solar. Na verdade, a periodicidade solar nas últimas décadas – altura em que sentimos um maior aumento da temperatura – está a seguir no sentido oposto. Poderia haver um Maunder Minimum, como houve há 300 anos, que a temperatura continuava a subir.”
E o que explica isto? O efeito de estufa, um processo natural que permite manter uma temperatura adequada no planeta, mas que provoca o aquecimento global quando há um aumento da concentração de gases como o dióxido de carbono (CO2) e o vapor de água. “Se não houvesse efeito de estufa, poderia haver uma ligeira tendência para [a temperatura global] baixar, mas a atividade humana está a sobrepor-se”, prossegue o investigador. Atualmente, a concentração de CO2 na atmosfera está perto das 420 partes por milhão, o que representa uma subida de perto de 50% em relação aos valores pré-industriais.
Alfredo Rocha destaca também que “nunca se registou, no passado, uma alteração climática tão acentuada em tão pouco tempo”. “As alterações climáticas do paleoclima e de há muitos milhares de anos ocorreram em magnitude, mas demoraram muitos milhares de anos a acontecer, não foi num período de 200 ou 300 anos – o que, à escala geológica, não é nada”, explica Alfredo Rocha, acrescentando que, além disso, “está mais do que identificado que a origem destas alterações climáticas recentes é o ser humano”.
Os investigadores na área da climatologia e meteorologia têm vindo a analisar o impacto que a ação antropogénica tem no clima. Através dos modelos climáticos, é possível criar cenários onde não existe uma concentração tão elevada de gases com efeito de estufa e, desta forma, perceber o verdadeiro impacto que este fator tem nas alterações climáticas que estamos atualmente a viver.
Em conclusão, de facto, o clima no planeta Terra é variável e pode haver subidas e descidas de temperatura global associada à atividade solar e à erupção de vulcões. No entanto, as alterações climáticas que vivemos atualmente não estão em concordância com a variação da atividade solar, sendo os gases com efeito de estufa os principais responsáveis pelo aumento da temperatura global. Dados recentes mostram que os últimos ciclos solares têm apresentado uma tendência decrescente, o que, supostamente, faria com que a temperatura da Terra descesse também. No entanto, esta continua a subir.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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