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| - Em entrevista ao podcast Inteligência Ltda., na noite de segunda-feira (30), o apresentador e candidato à Prefeitura de São Paulo José Luiz Datena (PSDB) desinformou ao citar dados errados sobre a educação e sobre a população da capital paulista.
Datena criticou repetidamente a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e enganou ao falar sobre o índice de estudantes matriculados em escolas de ensino integral em São Paulo.
“Uma coisa básica que o Ricardo prometeu e não fez: escola em tempo integral ele só cumpriu 7%”, disse Datena — o percentual correto, no entanto, é de 40% dos alunos matriculados em tempo integral.
O candidato tucano também foi impreciso em várias comparações populacionais, citando números errados de habitantes da zona leste de São Paulo e das cidades do Rio de Janeiro e de Bruxelas, capital da Bélgica.
Datena mencionou de modo correto os dados sobre a fome e a arrecadação de impostos em São Paulo.
Ao longo da entrevista, aproveitou para contar episódios curiosos e engraçados de sua trajetória. E reforçou que deixará a política se não passar para o segundo turno.
Confira o que checamos:
- É FALSO que só 7% dos estudantes da rede municipal estão no ensino integral; segundo a prefeitura, são 40%;
- É FALSO que na região da avenida Jacu-Pêssego vivem 5,6 milhões de pessoas; são 4 milhões em toda a zona leste;
- É FALSO que a população de Bruxelas, na Bélgica, é equivalente à da cidade de São Paulo;
- É FALSO que Macau foi o último país do mundo a abolir a escravidão, e o Brasil, o penúltimo;
- É impreciso afirmar que o Brasil tem o segundo maior índice de desigualdade de renda em todo o mundo, perdendo apenas para o Qatar — esses dados estão desatualizados;
- Também é inexato afirmar que a gestão de Nunes só concluiu 38% das obras previstas, pois o percentual alcança 53%;
- Datena é impreciso ao citar entre 70 milhões e 120 milhões como o total de mortos nos regimes de Stalin e Mao Tse Tung, respectivamente; as estimativas históricas sobre isso, ainda que variáveis, ficam abaixo dessas duas cifras;
- Não é possível afirmar que o tucano era o primeiro colocado na pesquisa Quest feita no início da disputa eleitoral — ele estava empatado na margem de erro com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes;
- É VERDADEIRO que a cidade de São Paulo tem o terceiro maior orçamento da União, com previsão de arrecadação anual de R$ 56 bilhões;
- É VERDADEIRO que existem 80 mil pessoas em situação de rua na capital paulistana, de acordo com pesquisa da UFMG.
“Uma coisa básica que o Ricardo [Nunes] prometeu e não fez: escola em tempo integral ele só cumpriu 7%; o índice nacional diz que o básico mínimo é de 25%”
Datena erra ao falar sobre o índice de estudantes matriculados em escolas de ensino integral em São Paulo.
O PNE (Plano Nacional de Educação) estabelece que deve haver oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica. De acordo com o painel de monitoramento do plano, no ano de 2023, 12,9% dos estudantes de escolas municipais de São Paulo estavam matriculados em ensino integral — quase o dobro do dito por ele.
Além disso, a prefeitura afirma que a meta estabelecida pelo PNE foi cumprida em 2024. “O município tem hoje 40% dos matriculados da rede municipal em escolas com atendimento de turmas em tempo integral”, informou a SME (Secretaria Municipal de Educação) em nota ao Estadão Verifica.
“Só ali na região da Jacu-Pêssego, onde eu falei, sabe quantas pessoas moram naquele entorno da zona leste? 5,6 milhões de pessoas. Dá a população do Rio de Janeiro.”
A declaração foi considerada FALSA porque os números citados pelo candidato não têm respaldo em dados oficiais sobre as populações das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Segundo dados do Censo 2022 realizado pelo IBGE, toda a zona leste da capital paulista soma 4 milhões de habitantes, número inferior ao citado por Datena.
Além disso, a população do Rio de Janeiro é maior do que a citada pelo candidato: ao todo, a cidade tem 6,2 milhões de habitantes.
“Bruxelas, da Bélgica, tem a população de São Paulo e é a capital da comunidade europeia.”
Não é verdade que Bruxelas, capital da Bélgica e da União Europeia, tenha população equivalente à da cidade de São Paulo. A população da cidade belga é de 1,2 milhão de pessoas, enquanto a cidade de São Paulo soma 11,4 milhões de habitantes, segundo o Censo de 2022.
O candidato provavelmente confundiu-se com a população total da Bélgica, que tem 11,8 milhões de habitantes.
“Você sabe qual foi o último país a abolir a escravidão? Macau. (…) Nós [o Brasil] somos o penúltimo país a acabar com a escravidão.”
A declaração é FALSA. O Brasil não foi o penúltimo país do mundo a acabar com a escravidão. Também não é verdade que o último local a abolir a prática tenha sido o território de Macau, território hoje pertencente à China.
Na verdade, o Brasil foi o último país do Ocidente a decretar o fim do trabalho escravo, em 1888. Depois da abolição brasileira, a escravidão também persistiu por mais algumas décadas em Zanzibar, Etiópia, Arábia Saudita, dentre outros.
O último país do mundo a abolir a escravidão foi a Mauritânia, em 1981 — no país africano, a prática só se tornou crime em 2007.
Datena já havia feito essa afirmação falsa em sua entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, sendo desmentido por Aos Fatos.
Datena se refere a um dado publicado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em 2019. Naquele ano, o Brasil era o segundo país com maior concentração de renda entre o 1% mais rico da população, atrás apenas do Qatar. Esse ranking, no entanto, está desatualizado, o que torna a declaração do candidato imprecisa.
A versão mais recente do relatório mostra que o país ocupa agora a 16ª posição nesta categoria:
O levantamento usa dados do World Inequality Database, organizado pela Escola Econômica de Paris e pela Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.
Vale ressaltar que o Brasil está no topo da lista de países mais desiguais do mundo, segundo o índice Gini, usado para medir concentração de renda. Levantamento do Banco Mundial com base no indicador aponta que o Brasil é o sétimo mais desigual.
Essa base, no entanto, pode conter imprecisões, já que nem todos os países tiveram seus dados atualizados. Primeira colocada no ranking, por exemplo, a África do Sul teve o indicador calculado pela última vez em 2014.
Considerando apenas os números mais recentes, coletados em 2022, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking de desigualdade, atrás apenas da Colômbia.
“A maioria das obras que ele [Ricardo Nunes] deveria ter concluído, ele concluiu 38%, nem isso, do que o Bruno Covas prometeu.”
A declaração do candidato é imprecisa, porque subestima o total de projetos de infraestrutura entregues pela gestão de Ricardo Nunes. Até o momento, o prefeito conseguiu cumprir 54% dos objetivos ligados à área.
O Programa de Metas 2021–2024, idealizado por Bruno Covas (PSDB) e publicado em junho de 2021, já sob a gestão de Nunes, continha 77 metas, das quais 34 envolviam a construção, a reforma ou a readequação de estruturas na cidade.
Dessas, 17 foram concluídas até o momento pela atual gestão, segundo o painel de monitoramento da prefeitura. A taxa de execução, de 53%, é 15 pontos percentuais maior do que a informada por Datena.
No início do ano passado, o governo Nunes alterou o plano de metas, incluindo novas promessas e suavizando outras propostas de seu antecessor. Após as mudanças, o total de objetivos saltou para 86. Uma das novas metas prevê a reforma de 1.915 unidades escolares, que ainda não foi concluída pela prefeitura.
Considerando todas as 86 metas, o percentual de execução da prefeitura cai para 50% (43), segundo o monitoramento. Em nota ao Aos Fatos, porém, a prefeitura afirmou que já concluiu ou superou 48 metas (56%).
A promessa da gestão é atingir mais 22 objetivos até o final do mandato, chegando a 65% de execução do plano. “O cumprimento das ações do Programa de Metas leva em consideração prazos, projetos, licenciamento, licitações, entre outras etapas, que são específicos de cada intervenção. É natural, portanto, que as entregas se concentrem no período final da gestão”, justificou a prefeitura.
“O comunismo matou quantas pessoas com Stalin? 70 milhões. Mao Tse Tung, 120 milhões morrendo de fome.”
Apesar de haver consenso sobre a escala dos morticínios causados por ambos os regimes, não há certeza a respeito da quantidade exata de mortos devido à dificuldade de delimitar períodos de tempo e obter informações precisas a respeito da causa dos óbitos. Os dados citados por Datena, no entanto, extrapolam as estimativas mais aceitas em âmbito acadêmico.
De acordo com o escritor polonês Moshe Lewin, um dos maiores historiadores do regime soviético, teriam sido registradas entre 20 milhões e 30 milhões de mortes durante o governo de Josef Stalin (1941–1953). A variação é a mais aceita entre estudiosos, mas não é a única: outras estimativas vão de 13 milhões a 60 milhões.
No período de Mao Tse Tung (1949–1976), líder da Revolução Chinesa e fundador da República Popular da China, cerca de 38 milhões de pessoas morreram de fome e excesso de trabalho, de acordo com a biografia “Mao — A História Desconhecida” (Cia. das Letras), da escritora sino-britânica Jung Chang e do marido dela, o historiador Jon Halliday, que realizaram extensa pesquisa documental. Na época, a população chinesa era de aproximadamente 600 milhões de pessoas.
“Mao matou conscientemente de inanição e excesso de trabalho esses milhões de pessoas”, escrevem os autores. “Durante os dois anos críticos de 1958–59, as exportações de grãos sozinhas, quase 7 milhões de toneladas, teriam proporcionado o equivalente a mais de 840 calorias por dia para 38 milhões de pessoas — a diferença entre vida e morte.”
Outros estudiosos do tema afirmam que o número de mortes na China pode ter variado entre 16 milhões a 45 milhões. Todas as estimativas, no entanto, são bem menores do que as apontadas por Datena.
“Entrei [na corrida eleitoral] na frente também, porque eu saí em primeiro lugar na pesquisa da Quaest, feita pela Globo.”
Datena é impreciso ao mencionar sua colocação na pesquisa Quaest publicada após a confirmação de seu nome na pré-campanha.
O levantamento de 27 de junho registrou 17% das intenções de voto para o ex-apresentador na pesquisa estimulada, contra 21% para Guilherme Boulos (PSOL) e 22% para Ricardo Nunes. Como a margem de erro é de três pontos percentuais, os três estavam tecnicamente empatados.
Na pesquisa espontânea, Datena aparecia nas últimas colocações, com 0% das intenções de voto. Boulos e Nunes lideravam o ranking, com 10% e 8%, respectivamente, seguidos por Pablo Marçal (PRTB), com 3%.
“Esse é o terceiro orçamento da União. Aqui você recolhe R$ 56 bilhões de imposto.”
Os dois dados citados por Datena nesse trecho da entrevista estão corretos.
De fato, a capital paulista tem o terceiro maior orçamento da União (R$ 112 bilhões de previsão orçamentária em 2024), atrás apenas do estado de São Paulo (R$ 328 bilhões) e do estado de Minas Gerais (R$ 115 bilhões).
A LOA (Lei Orçamentária Anual) 2024 da Prefeitura de São Paulo também estima que, neste ano, o município terá uma receita de R$ 56,3 bilhões em “impostos, taxas e contribuições de melhoria”.
“Porra, nós temos 80 mil moradores de rua. Isso é uma vergonha, isso é inaceitável.”
Datena acerta ao afirmar que a capital paulista tem 80 mil pessoas em situação de rua. O dado é de um levantamento realizado pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A pesquisa registrou em junho deste ano o total de 80.369 pessoas vivendo sob tais condições em São Paulo — um aumento de quase 24% em relação ao mesmo levantamento em dezembro de 2023.
Os números do estudo são extraídos do CadÚnico e diferem do último Censo da População de Rua, realizado em 2021 pela Prefeitura de São Paulo, que registrou 31.884 pessoas vivendo em situação de rua na cidade.
Em nota ao Metrópoles, a prefeitura afirmou que “respeita a pesquisa” da UFMG, mas que considera os números do Censo para a elaboração de políticas públicas. A próxima edição do levantamento municipal acontecerá em 2025.
Outro lado
A campanha de Datena foi procurada na tarde desta terça-feira (1º) para que ele pudesse comentar as checagens. Não houve retorno até a publicação.
O caminho da apuração
A equipe do Aos Fatos assistiu à entrevista de Datena ao podcast Inteligência Ltda. e, com ajuda da ferramenta Escriba, transcreveu as declarações na íntegra. Todas as afirmações consideradas checáveis foram separadas e verificadas.
No trabalho de checagem, os repórteres consultaram bases de dados públicas, pesquisas eleitorais, livros, reportagens e outras verificações já publicadas.
Por fim, a reportagem entrou em contato com a campanha do candidato para abrir espaço para o outro lado.
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