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| - “Em Portugal, por opção das próprias instituições e também das ordens profissionais, formamos todos os médicos da mesma forma. Se for ao Reino Unido o sistema está diversificado, sobretudo aquilo que é a medicina familiar, que tem um nível de formação menos exigente do que a formação de médicos especialistas. Penso, sempre em articulação com as ordens profissionais e sobretudo com as instituições, que o alargamento na formação médica e biomédica tem de ser feito usando as experiências internacionais de diversificação dessa oferta”, afirmou o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em entrevista ao Diário de Notícias, no dia 5 de setembro.
“A questão é que para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter o mesmo nível, a mesma duração de formação, que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais. E, por isso, insisto que o alargamento da base de formação na saúde – quer médica, quer de técnicos saúde, quer de enfermagem – deve ser feito em articulação com a diversificação da oferta, valorizando também outras profissões médicas, como, por exemplo, os médicos de família, que sabemos que na nossa sociedade, e sobretudo no sul da Europa, não são tão valorizados como outras especialidades”, acrescentou Manuel Heitor.
As declarações do ministro sobre a formação dos médicos de família britânicos são verdadeiras?
Numa nota publicada no site oficial da British Medical Association — Associação Médica Britânica que funciona como a Ordem dos Médicos em Portugal —, pode ler-se que os médicos de família, tal como acontece noutras especialidades, passam por várias etapas até poderem exercer medicina, numa formação que se prolonga durante pelo menos cinco anos, sem ter em conta os anos de formação teórica.
“É completamente errado descrever a formação de medicina familiar no Reino Unido como menos exigente do que a das outras especialidades médicas, [opinião] que prejudica gravemente os nossos médicos de família altamente formados em funções por todo o país”, escreve Samira Anane, responsável pela área de medicina familiar.
Assim, no caso britânico, a formação pós-graduada é dividida em dois anos de formação geral e três anos de formação específica, totalizando cinco anos de formação médica. Em Portugal, essa formação é dividida entre um ano de formação geral e quatro anos de formação específica. “O programa de formação da especialidade de medicina geral no Reino Unido é intelectualmente rigoroso“, de modo a que os médicos ganhem “competências e a experiência necessária para a sua enorme e vital contribuição para os serviços de saúde no Reino Unido, fornecendo tratamento especializado a milhões de pacientes”, conclui a representante da British Medical Association.
As declarações do ministro também provocaram a reação da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) que, no dia da entrevista de Manuel Heitor, considerou as declarações “profundamente desrespeitosas para com os médicos de família portugueses” e pediu uma audição à ministra da Saúde sobre o tema.
Em comunicado, a APMGF sublinha o trabalho desenvolvido nos últimos anos de consolidação da especialidade de medicina geral e familiar (MGF), que implica uma formação de quatro anos. “A Medicina Geral e Familiar deve ser respeitada enquanto especialidade médica autónoma, com aptidões e conhecimentos próprios, com uma abordagem generalista que não a torna menos complexa e exigente do que qualquer outra especialidade médica, antes pelo contrário. A APMGF refuta, por completo, a ideia de que a MGF não necessita de uma formação tão exigente como outras especialidades médicas, como parece alegar o ministro Manuel Heitor”, lê-se no texto.
A APMGF pede ainda ao Governo, “face às desconcertantes palavras do ministro Manuel Heitor”, que clarifique as suas intenções relacionadas com a formação desta especialidade e afirma que “não pactuará com qualquer tentativa de abreviar e aligeirar a formação dos médicos de família portugueses”.
Já o Sindicato Independente do Médicos (SIM) considera as declarações do ministro Manuel Heitor “altamente desrespeitosas para os Médicos Especialistas de Medicina Geral e Familiar”. Para o SIM, o ministro fez uma “intromissão em áreas que nem sequer lhe dizem respeito nas suas funções governativas”, com uma “manifestação confrangedora de desconhecimento da realidade nacional e internacional“.
Também o Fórum Médico, que junta várias entidades, exige um “pedido de desculpas público” ao ministro do Ensino Superior pelas recentes declarações sobre a formação de clínicos de medicina geral e familiar. “É totalmente inaceitável e desrespeitosa a forma como o ministro desvalorizou a formação e a qualidade dos médicos especialistas em medicina geral e familiar e lamenta que seja um governante sem competência nesta matéria a equacionar um recuo na organização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para padrões existentes antes da democracia”, escreveu o Fórum Médico em comunicado.
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Avaliação do Polígrafo:
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