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| - Marcelo Rebelo de Sousa tinha deixado a porta escancarada para a saída de Carla Alves do Governo: a recém-nomeada e agora demissionária secretária de Estado da Agricultura durou pouco mais de um dia depois de ser conhecido que o seu marido foi acusado pelo Ministério Público (MP) dos crimes de prevaricação, participação económica em negócio e corrupção ativa. Sabe-se que o MP detetou um valor de 762 mil euros não declarado fiscalmente pelo marido da ex-secretária de Estado, dos quais 228 mil passaram por contas bancárias que eram detidas em conjunto pelo casal e que foram entretanto arrestadas preventivamente pela Justiça.
O currículo de Carla Alves é extenso, mas há um cargo que salta à vista e que obriga, inclusive, à renúncia para assumir funções públicos, como a de secretária de Estado: Alves foi diretora regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN) entre dezembro de 2018 até janeiro de 2023. O Polígrafo confirmou junto de fonte oficial do Ministério da Agricultura que a ex-secretária de Estado cessou funções para assumir o cargo governativo e que, portanto, não há retorno imediato ao antigo cargo de dirigente na DRAPN. Fora do Governo, porém, fica a questão: pode Carla Alves voltar a ocupar esse lugar?
Legalmente, e por não ser sequer arguida no processo que envolve o marido, nada impede a secretária de Estado de voltar ao cargo, explica Paulo Graça, especialista em Direito Administrativo. “Esta situação que se passou no Governo em nada mexe, juridicamente falando, com a questão profissional de Alves, quer no Município de Vinhais quer na situação de poder eventualmente voltar a ser diretora regional”, esclarece. Em causa estaria, porém, a necessidade de um novo procedimento concursal, como dita a Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro: “os titulares dos cargos de direcção superior são recrutados, por escolha, de entre indivíduos licenciados, vinculados ou não à Administração Pública, que possuam competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respectivas funções.”
Assim sendo, pode dar-se que Carla Alves tenha vantagens curriculares face aos outros concorrentes? “Depende dos termos do concurso. Eventualmente, sim. Não poderá haver um critério em que se dê preferência às pessoas que já estiveram naquele lugar em específico, mas pode haver um que diga que é valorado quem já tenha exercido cargos de direção regional”. Isto porque, menciona a lei já referida, “o exercício da função dirigente está dependente da posse de perfil, experiência e conhecimentos adequados para o desempenho do respectivo cargo”.
Eticamente, retorno de Carla Alves ao cargo na DRAPN pode adensar o “pântano”
Apesar de não estar impedida, legalmente, de voltar a participar do procedimento concursal para reocupar o cargo ao qual renunciou para entrar no Governo, Carla Alves tem um problema ético que terá que enfrentar, mas não sozinha: os cargos de direção superior na Administração Regional são providos por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do membro do Governo competente, o que significa que também o Executivo voltaria a estar envolvido nas funções de Alves. Para João Paulo Batalha, seria “politicamente desastroso” que Alves voltasse à DRAPN.
“A ex-secretária de Estado não é arguida em processo nenhum, portanto não há impedimento legal. Não sendo ela alvo de nenhum processo penal ou disciplinar, não se colocará um automatismo legal. Agora, isso obviamente não isenta as instituições de fazerem uma avaliação de idoneidade. É uma questão política avaliar se a pessoa tem idoneidade para exercer qualquer cargo sem colocar riscos reputacionais à organização”, argumenta ao Polígrafo o vice-presidente da Frente Cívica.
Também ao Polígrafo, Nuno Cunha Rolo, jurista e presidente da associação cívica Transparência e Integridade, diz que “nada impede que, havendo concurso, Carla Alves possa concorrer. Aliás, ela poderia até continuar no Governo, mesmo sendo arguida, o que não é o caso”.
No caso de voltar, porém, a assumir o cargo, Cunha Rolo considera que, “no atual cenário, e no atual contexto, é difícil prever” o que é que isso poderia significar para o Governo: “Se isso acontecer, só mesmo no domínio da possibilidade, seria um erro um secretário de Estado ou ministro da Agricultura aprovar essa decisão. Ainda para mais porque isso é uma decisão que passa pelos Governantes e que, portanto, seria uma decisão politicamente errada. Mesmo que do ponto de vista jurídica, ou até do mérito, possa ser a melhor decisão. Da perspetiva do interessa público, não o é.”
Cunha Rolo comenta ainda a postura do Executivo face aos “casões” com que se tem deparado, considerando que “o que é aqui grave é a reação aos sucessivos casos. Apesar dos erros cometidos, e que se diz que foram corrigidos – mas que foram cometidos sucessivamente -, a queda de um Governante pode resolver alguma coisa, mas não há uma resolução de base, porque a política tem que mudar”.
“O primeiro-ministro tem que se adequar, porque o tempo mudou. Quanto mais depressa houver um ajustamento, melhor. Não é com remendos – porque isso vai dar mau resultado -, é fazer uma auto-avaliação séria sobre aquilo que está a correr mal nos últimos casos e aprofundar e melhorar o sistema. Se não houver um sistema, criá-lo”, conclui o especialista.
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Avaliação do Polígrafo:
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