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| - Um acordo firmado entre Matteo Salvini, Silvio Berlusconi e Giorgia Meloni está a ser dado como garantia para afirmar que a líder dos “Irmãos de Itália” (FdI) vai mesmo ser a próxima primeira-ministra italiana (depois de ter conseguido a maior percentagem de votos dentro da coligação que lidera).
O partido pós-fascista, que se opõe ao aborto, à adoção por parte de gays e que tem como grande referência o Movimento Social Italiano, fundado por partidários de Benito Mussolini, traça agora um novo caminho em Itália, que fica com uma esquerda reduzida no seu novo Parlamento. “Os italianos enviaram uma mensagem clara de apoio a um governo de direita liderado pelo FdI”, afirmou Meloni no rescaldo da contagem dos votos num hotel de Roma.
E por cá? O que pode significar uma vitória tão expressiva de um movimento de extrema-direita em Itália? André Ventura e o seu partido fundado em 2019, “Chega”, nunca esconderam a admiração face a Giorgia Meloni e Matteo Salvini. Os encontros, as fotografias e as declarações de apoio demonstram unidade dentro daquela que é uma ideologia que se vai mimetizando por toda a Europa.
A admiração foi, porém, mais longe quando Rita Matias, deputada do Chega, subiu ao palco no segundo dia do III Congresso Nacional do partido, em maio do ano passado, para discursar sobre o “presente e o futuro”. Com frases que pareciam ter sido recuperadas do passado, utilizadores nas redes sociais acusaram a então recém-eleita vogal da Direção Nacional do Chega de ter plagiado um discurso de Giorgia Meloni proferido em 2019.
De facto, e tal como o Polígrafo já verificou, a 30 de março de 2019, em Verona, Itália, no Congresso Mundial da Família, Giorgia Meloni, presidente do partido pós-fascista FdI e ainda do grupo político Conservador e Reformista no Parlamento Europeu, proferia então um discurso de cerca de 13 minutos, mais tarde apelidado de anti-feminista e ultra-conservador. Dois anos depois, Rita Matias recuperou várias frases dessa intervenção, adaptando-as com ligeiras alterações, nos últimos minutos dos nove a que teve direito no III Congresso do Chega, em Coimbra, no dia 29 de maio de 2021.
Giorgia Meloni: “Eu penso que retrógrado é quem tenta voltar a trazer a censura a Itália, fazendo com que não se possa celebrar um encontro como este (…) Os imprestáveis não somos nós. Os imprestáveis são aqueles que sustentam práticas como a barriga de aluguer ou o aborto ao nono mês e a tentativa de bloquear com hormonas o desenvolvimento de crianças com 11 anos de idade”.
Rita Matias: “O que é absolutamente retrógrado é querer trazer de novo uma cultura de censura para Portugal. E dizem que os loucos somos nós? Loucura é defender a banalização do assassinato de crianças no ventre materno. Loucura é bloquear com hormonas o desenvolvimento das crianças. Loucura é roubarem a inocência das crianças, tendo em vista interesses económicos para impor uma ideologia perversa”.
Giorgia Meloni: “Disseram de tudo sobre este congresso. Que queremos limitar a liberdade das mulheres. Que as queremos em casa a aspirar. Vocês vêm-me em casa a aspirar? Imaginem que eu, a única mulher secretária de um partido político em Itália, eu que me apresentei grávida na candidatura a autarca de Roma, pensasse que as mulheres devem ser relegadas não se sabe bem a quê. É exatamente o contrário. Nós queremos garantir direitos que hoje não existem. O direito de uma mulher ser mãe sem ter com isso que renunciar a um posto de trabalho. O direito de uma mulher ser mãe, escolher não trabalhar e não ter, por isso, que morrer de fome. O direito de uma mulher que pensa que tem de abortar porque não tem alternativa a ter essa opção, porque não é verdade que hoje é garantida a autodeterminação da mulher”.
Rita Matias: “Mas sempre que falo destas coisas, dizem que quero limitar a liberdade das mulheres e que o que eu penso é que o lugar da mulher é na cozinha. Mas o que seria de mim, estaria eu aqui se achasse que as mulheres devem estar relegadas a qualquer papel?(…) Chega e chega de dissimulados, porque estes dissimulados demitem-se, também, da defesa dos direitos que ainda não existem em Portugal em pleno século XXI. Por exemplo, o direito de uma mulher ser mãe sem ter de renunciar à possibilidade de progressão na carreira. Ou então, de escolher não trabalhar, mas, por isso, não ficar condenada à precariedade“.
Tornam-se assim inegáveis as semelhanças entre os dois discursos, que de resto se verificam também na postura e no tom com que são proferidas as frases supracitadas. O ênfase dado por Meloni a determinadas palavras é recuperado por Rita Matias, bem como alguns gestos ou até mesmo os compassos de espera.
Instada a pronunciar-se sobre as acusações, Rita Matias considerou “ridículo e lamentável que se esteja a fazer este juízo de valor”, uma vez que “é bastante comum que partidos com matrizes idênticas defendam os mesmos valores, abordem as mesmas questões, naturalmente aplicadas às respectivas realidades”.
“Temas como a defesa da família, da natalidade, da segurança e da defesa da valorização salarial da mulher e respetiva autonomia financeira são transversais a vários protagonistas da direita europeia. Quem ouvir atentamente o meu discurso e o da Giorgia Meloni facilmente se apercebe que a minha intervenção é muito mais abrangente, em termos de temas, do que a da Presidente do Fratelli”, esclareceu ainda a deputada.
Ao Polígrafo, Matias disse mesmo que “não é segredo nenhum que existem sempre, especialmente neste meio, referências políticas” sendo que, no que toca à defesa do papel da mulher, da dignidade da vida humana e da família, Rita Matias segue figuras como “Rocío Monasterio, Giorgia Meloni ou Abby Johnson”, a primeira presidente do VOX em Madrid e a última uma ativista anti-aborto americana.
Esta situação, embora peculiar, tem já precedentes na política de extrema-direita europeia. Em maio de 2017, Marine Le Pen, à data candidata presidencial pelo partido Frente Nacional francês, plagiou num comício um discurso do ex-candidato conservador François Fillon.
Neste caso, tratava-se mesmo de uma cópia completa, sem quaisquer adaptações, promovido até pelo facto de falarem na mesma língua. Segundo porta-vozes da Frente Nacional, ter-se-á tratado de um plágio propositado, mostrando que Le Pen era uma candidata “unitária e não sectária”.
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