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  • “Tretas”, “balelas” e “história da carochinha” são alguns dos termos utilizados num vídeo publicado na plataforma YouTube (e partilhado nas demais redes sociais, com especial incidência no Facebook) para descrever as alterações climáticas. Neste vídeo – que já ultrapassa as 50 mil visualizações -, o autor apresenta um conjunto de argumentos que, na sua perspetiva, comprovam que o aquecimento global é falso e que as previsões apresentadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) falharam todas, nomeadamente a “chocante” subida do nível das águas do mar. “Em 1990 vieram com esta coisa do aquecimento global e as previsões meteorológicas que se faziam era de catástrofe até ao ano 2000, 2010, e tal. Uma das mais chocantes previsões era a do aumento do nível das águas do mar. Porque o mar ia subir de tal forma que ia inundar e até submergir cidades inteiras, países inteiros”, afirma. “A verdade é que estamos em 2019, meus caros, e quais foram as cidades que ficaram submergidas até hoje? Zero. Quais foram os países que ficaram submersos? Zero. Tudo treta”, reforça, acrescentando que esta teoria é uma forma de a ONU e os governos angariarem dinheiro. No mesmo vídeo, o autor reconhece que o clima está a mudar, mas que estas alterações não só não têm nada a ver com a atividade humana como o que está para vir é frio e não aquecimento global. “Como sabem de 90 em 90 mil anos o planeta arrefece muito, torna praticamente impossível ou quase impossível a vida na Terra ao ar livre e, portanto, temos camadas de gelo de 3 quilómetros sobre as nossas cabeças”, explica, referindo-se às eras glaciares. O Polígrafo contactou vários especialistas nas áreas da oceanografia e climatologia, questionando sobre se as alegações veiculadas no vídeo são verdadeiras ou falsas. Todos os investigadores e professores inquiridos refutam a premissa defendida no vídeo, embora ressalvando alguns factos verdadeiros misturados com as falsidades. “É uma grande salganhada, uma grande baralhada porque as afirmações misturam muita coisa e não se baseiam em ciência feita e publicada, ou pelo menos não são referidos artigos científicos publicados que suportem as afirmações”, sublinha Alfredo Rocha, professor de Meteorologia e Clima na Universidade de Aveiro. Também Nuno Vaz, investigador na área de Oceanografia Física da Universidade de Aveiro, alerta para a utilização de “uma verdade truncada”, uma técnica que muitas vezes faz correr mitos nas redes sociais. Para esclarecer da melhor forma os nossos leitores, o Polígrafo divide este artigo de verificação de factos em duas partes, seguindo os temas abordados no vídeo: primeiro explica-se a questão sobre o nível médio do mar e, em segundo lugar, aborda-se a temática das eras glaciares e das alterações climáticas. . A subida dos oceanos Segundo o vídeo em análise, as previsões eram claras: o mar ia subir 1 metro até 2000-2010. No entanto, tal não aconteceu: “O que nós vemos é que o nível das águas do mar, ao contrário do que a ONU previa, não subiu 1 metro até 2000. Não subiu 1 metro nem nada que se pareça. Nem meio metro, nem 20 centímetros, nem 10 centímetros. Só subiu 9 milímetros, nem sequer chega a 1 centímetro”, diz o apresentador do vídeo. Não é necessário ir muito longe para contestar este valor, uma vez que na imagem destacada atrás do apresentador (trata-se de um relatório global das alterações climáticas desenvolvido pela NASA) surge a informação de que, entre 1993 e 2019, o nível do mar subiu 95 milímetros e não 9 milímetros. “Eu não sei onde é que ele foi buscar essa história de 1 metro”, comenta João Miguel Dias, investigador da área de Oceanografia Física no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CEAM) e professor na Universidade de Aveiro. “Essa média global sempre ouvi para o ano 2100, nunca para o ano 2020. Estamos a 80 anos de distância”, afirma. A posição é unânime: todos os inquiridos sobre o tema identificaram a previsão do aumento de 1 metro no nível médio das águas do mar para 2100. “As previsões são previsões, e as previsões são falíveis. O que as previsões indicam são tendências. Acima de tudo, quando olhamos para um conjunto de previsões climáticas devemos pensar em tendências e não no que vai acontecer em valores absolutos. Se as previsões dizem que vai subir o nível médio da água do mar, nós devemos acreditar que vai subir”, explica Dias. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) é o departamento da ONU que se dedica à ciência relacionada com as alterações climáticas e a entidade que divulga os modelos e previsões para os próximos anos – e será esta entidade que o autor do vídeo identifica como sendo a ONU. No entanto, os relatórios apresentados pelo IPCC são conhecidos por serem bastantes moderados e não catastróficos, uma vez que são “obtidos por consenso de centenas de cientistas. Quando uns dizem [que sobe] 10, outros dizem 5 e outros 2, o único resultado possível colocar é o 2, não o 10. Tipicamente estes relatórios são arredondados para baixo, erradamente, e são, por vezes, pouco realistas”, explica Ricardo Trigo, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do Instituto D. Luís. Mas, previsões à parte, o nível médio do mar está ou não a subir? A resposta é sim, está. O relatório mais recente do IPCC (publicado em setembro de 2019) indica que, entre 2006 e 2015, o nível do mar subiu 3,6 milímetros por ano. Este é o valor mais alto registado desde 1901, quando o crescimento registado rondava os 1,4 milímetros por ano. No relatório da NASA, anteriormente referido, indica-se que o crescimento médio anual é de 3,3 milímetros, um valor muito próximo do apresentado pelo IPCC. . O que faz subir o nível do mar? A componente eustática é o nome dado ao aumento do volume de água nos oceanos e pode ser justificada quer pelo aumento da densidade da água, que resulta da expansão térmica, quer pelo aumento da massa, ligado ao degelo dos glaciares que estão nos continentes. Ou seja, existem dois fatores que levam ao aumento do nível do mar e ambos estão relacionados com a temperatura. “O que acontece é que quando se aumenta a temperatura da atmosfera, aumenta a temperatura das camadas superficiais do oceano e, portanto, o oceano incha, dilata. E se o volume aumenta, o nível do mar sobe”, esclarece Filipe Duarte Santos, professor de Ciências do Ambiente na Universidade de Lisboa. Para além disso, o mar é o maior reservatório da radiação solar incidente na Terra, o que também contribui para o aumento gradual da temperatura das águas. “O oceano absorve mais de 90% da radiação incidente do Sol porque é uma superfície escura com uma grande capacidade térmica”, explica Carlos Antunes, professor de Engenharia Geoespacial na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e especialista na variação do nível do mar. No entanto, “o oceano tem uma inércia, uma resposta muito lenta à mudança, uma enorme capacidade térmica”, ressalva, acrescentando que “a energia que está a ser absorvida vai ser transferida para as várias camadas do oceano e a resposta da expansão térmica leva muito tempo”. A expansão térmica foi a principal razão que que levou à subida do nível do mar até finais do século passado. No entanto, o degelo dos calotes polares – principalmente da Gronelândia e da Antártida – e continentais começou a ser um importante fator nas medições do nível médio, porque contribui para o aumento do volume oceânico. “A expansão térmica atualmente contribui com 1,64 milímetros por ano e a massa oceânica, que é a componente do degelo, está a contribuir com cerca de 2,55 milímetros por ano”, destaca Antunes. Por outro lado, o degelo dos glaciares traz outras implicações nos oceanos, nomeadamente ao nível das propriedades hidrográficas, como a salinidade e a temperatura. “A partir do momento que nós mexemos na salinidade e na temperatura da água, estamos a alterar o que são os grandes sistemas de circulação atuais dos oceanos”, salienta Dias. “A maior parte das massas de água são geradas nas latitudes elevadas porque há um grande arrefecimento, se nós estamos a mexer na temperatura do planeta vamos condicionar esses processos”, acrescenta. Nuno Vaz ilustra este processo: “Nós temos uma corrente muito forte no oceano Atlântico norte que é a corrente do Golfo e que tem um grande impacto no clima da Europa”, explica o investigador. “A corrente do Golfo tem características de temperatura e de salinidade muito específicas e que estão num equilíbrio muito instável. Imagine agora, por exemplo, que todo o gelo do Hemisfério Norte derretia. O gelo é água doce. Se esse gelo fosse adicionado ao mar, a salinidade iria mudar, a temperatura iria mudar e a própria densidade da água também. Isso poderia ter consequências que eu não consigo prever, mas fala-se que poderia parar a corrente do Golfo”, exemplifica. Nenhuma destas causas é referida no vídeo em causa. Aliás, o autor apresenta como argumentação para a subida do nível do mar o movimento da crosta terrestre. A variação da crosta terrestre é, de facto, um fenómeno real: as placas tectónicas que existem por debaixo dos continentes e dos oceanos estão em movimento, mas essa não é a razão principal para o aumento do nível do mar. “Para haver aumentos da subida do fundo do oceano a uma escala de 20 centímetros, isso implicava tremores de terra gigantes, tsunamis gigantes”, elucida Santos. “As placas tectónicas, de facto, movem-se, mas levam muito tempo a mover-se”, remata. João Miguel Dias sublinha que “o oceano está em equilíbrio” e que “não se pode olhar para uma costa em particular. Ao nível local, a questão de que ele [o autor do vídeo] fala é verdade: a crosta oceânica tem uma determinada dinâmica também, não é estável e tanto sobe como desce”, esclarece, indicando que se a crosta registar uma subida mais acentuada do que o nível do mar, os marégrafos irão registar uma “uma descida absoluta“. Este comportamento da crosta terrestre não é uniforme e existem lugares onde as subidas e descidas são mais acentuadas. A Escandinávia é um dos lugares em que a crosta tem subido sucessivamente e foi com este exemplo – representado na maioria dos gráficos que surgem no final do vídeo – que o autor tentou provar que o nível do mar está a descer e não a subir. Os gráficos são reais e foram publicados pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), mas representam um exemplo pouco ilustrativo do resto do mundo. “Este não é um nível absoluto, é um nível médio relativo porque há um efeito dinâmico da crosta terrestre por movimento das placas tectónicas”, começa por explicar Antunes. “No caso da zona da Escandinávia, existe um efeito de ajustamento isostático pós-glaciar. O que quer dizer que quando ocorreu a última glaciação, havia uma grande quantidade de gelo que se acumulou nas calotes polares. É uma grande quantidade de massa que vai exercer um peso sobre a crosta terrestre“, prossegue. Ao derreter o gelo que exercia pressão sobre a Escandinávia, a crosta começou lentamente a retomar o seu lugar. No caso de Portugal, a crosta terrestre “está a emergir 0,1 milímetros por ano”. Este aumento deve-se à subducção da parte oceânica da placa Euroasiática em relação à parte continental, elevando esta última entre 0,1 e 0,2 milímetros por ano. Porém, o mar tem registado uma subida mais acentuada. Segundo dados registados pela Direção-Geral do Território, em Cascais os marégrafos registaram uma subida do nível do mar de 3,1 milímetros por ano, no período entre 2000 e 2016. Este valor está próximo da média mundial. . As eras glaciares e as alterações climáticas Sabia que o mar já esteve 120 metros abaixo do nível que está atualmente? Esse valor resulta das chamadas eras glaciares em que grande parte da água disponível fica congelada devido às baixas temperaturas que se fazem sentir no planeta. Estes períodos cíclicos são seguidos de uma era interglacial em que a temperatura aumenta, o gelo derrete, o mar sobe e é precisamente num destes períodos quentes que a Terra se encontra atualmente. No vídeo, esse assunto também é abordado e é apresentado como uma justificação para as mudanças do clima, contrapondo com o conceito das alterações climáticas. “Se isto fosse uma sinusoide, um ciclo perfeito – que sabemos que não é – já deveríamos estar na próxima era glaciar há dois mil anos. Felizmente que não estamos, felizmente que o tempo tem estado quente porque é durante o tempo quente que as civilizações florescem, que as civilizações se desenvolvem”, diz o autor do vídeo. As eras glaciares têm vindo a ser estudadas ao longo dos anos e foram já identificados vários períodos que deixaram o planeta Terra gelado. No discurso do vídeo, à semelhança da temática da subida do nível do mar, o Polígrafo identificou algumas verdades misturadas com várias falsidades. Ricardo Trigo, diretor do instituto D. Luís, identifica um dos enganos: “Ele diz que as civilizações se desenvolveram no tempo quente e as idades glaciares não permitem nem sequer o desenvolvimento da espécie. Isso é uma monumental treta porque o homo sapiens atingiu a fasquia de homo sapiens nos últimos 100 mil anos, no meio da última idade do gelo. Os neandertais chegaram à Península Ibéria há 30 ou 40 mil anos. Perto do máximo desta idade do gelo não só tínhamos uma espécie como tínhamos uma espécie alternativa”. O que é uma era glaciar e como se forma? O segredo está num conjunto de fatores astronómicos que tornam o planeta Terra mais frio: a inclinação da Terra face à órbita, a forma elíptica da órbita em torno do Sol e a pressão dos polos. “Estes três fenómenos astronómicos, todos juntos, são modelados por umas sinusoides, umas curvas de senos e cossenos muito simples. Nós sabemos como foram para o passado e sabemos como são para o futuro”, esclarece Trigo. De acordo com a teoria de Milankovitch, a inclinação do eixo de rotação da Terra varia entre os 22,1º e os 24,5º, estando atualmente nos 23.5º e numa tendência decrescente. Cada ciclo completo tem a duração de 26 mil anos. “O que ele diz, de facto, é verdade”, reconhece Alfredo Rocha, professor de Meteorologia e Clima na Universidade de Aveiro. “O clima tem variado em escalas de tempo de milhares de anos, sem a influência do homem. Isso tem a ver unicamente com fatores astronómicos. Mas isso acontece à escala de tempo de milhares de anos – 10 mil anos ou mais. Quando falamos de alterações climáticas, estamos a falar de alterações que aconteceram nos últimos 200 anos. Portanto são coisas completamente distintas“, explica. O professor reforça ainda que as mudanças do clima “vão acontecendo muito lentamente” e que, por isso, os seus efeitos não se sentem “numa escala de 10, 20 ou 100 anos”. No entanto, relativamente às consequências das alterações climáticas, “sente-se o efeito de ano a ano, de cinco em cinco anos ou nos últimos 10 anos. Daqui a 10 anos as coisas vão estar muito piores em todos os sentidos”. Referindo-se às alterações climáticas, o autor do vídeo critica os valores pagos aos governos e à ONU sob o pretexto de combater este fenómeno, enquanto considera tratar-se da “maior história da carochinha que alguma vez se contou à Humanidade. A verdade é que estamos a pagar e o planeta continua a aquecer, não sei o que é que o planeta está a fazer ao dinheiro que lhe damos, não sei onde é que o está a meter”. Para Ricardo Trigo, esta afirmação mostra uma contradição no discurso. “A certa altura diz que isto continua a aquecer e que não há nada que possamos fazer para alterar isso. Que o aquecimento continua apesar de se gastar imenso dinheiro e não há nada que se tenha feito que contrarie este aquecimento. Isso é uma contradição da posição”, critica o professor. A temperatura está de facto a subir e a bater recordes em vários pontos do mundo, incluindo em Lisboa. Segundo os dados recolhidos pelo Instituto D. Luís na Rua da Escola Politécnica, “durante 150 anos o máximo [da temperatura] foi entre 41,5ºC e 42ºC. Na onda de calor de agosto de 2018, todo o território de Portugal bateu recordes e esse valor passou para 44ºC. Num dia passou de 42ºC para 44ºC”, recorda Trigo. Poder-se-á, porém, questionar se o aquecimento global não terá um impacto positivo ao atrasar o arrefecimento da era glaciar que está para vir. Filipe Duarte Santos coloca essa hipótese: “Estamos a tornar a atmosfera mais quente, com temperaturas mais altas, se continuarmos com este processo durante muitos séculos é perfeitamente possível que possamos atrasar a vinda do próximo período glaciar. Dir-se-á que ‘isso é ótimo!’ Bom, para evitar termos bastante frio depois, ficamos fritos antes. Qual será o pior mal?”. Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social. Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é: Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos. Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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