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| - Ao tomar a vacina contra a Covid-19, o sistema imunológico desenvolve anticorpos que, através do sangue, protegem o organismo contra o aparecimento do novo coronavírus vírus. Este processo é semelhante em todas as vacinas e é uma forma de assegurar proteção contra determinados vírus patogénicos. Estando estes anticorpos no sangue, será que poderão ser transmitidos através de dádivas de sangue?
A pergunta foi lançada pelo escritor norte-americano Stephen King no Twitter: “Tenho agendada a segunda vacina da Moderna para sexta-feira. Se eu der sangue uma ou duas semanas depois, a pessoa que receber o meu litro de A- recebe algum tipo de impulso de imunidade?”
Importa começar por esclarecer se uma pessoa que tomou a vacina pode ou não doar sangue. O guia para dádivas não inclui qualquer referência às condições derivadas da toma de uma vacina. No entanto, o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) esclareceu ao Polígrafo que a existência de uma suspensão “depende da composição da vacina”.
“Os potenciais dadores vacinados com vírus inativados ou vacinas que não contêm agentes vivos (ou seja, mRNA e vacinas de subunidade de proteína) podem ser aceites como dadores de sangue, sem nenhum período de suspensão, caso se sintam bem e estejam assintomáticos”, informa o IPST.
Isso significa que, no caso das vacinas contra a Covid-19 atualmente aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) – da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca e da Johnson & Johnson -, não existe qualquer período de suspensão das dádivas de sangue, desde que o indivíduo não tenha sintomas.
Quando é feita uma recolha de um dador, “todos os anticorpos presentes no sangue são susceptíveis de transmissão passiva ao receptor“, explica o IPST na resposta ao Polígrafo. A dádiva inclui todos os componentes que são constituintes do sangue – o plasma, os eritrócitos (ou glóbulos vermelhos), as plaquetas e também os anticorpos (ou glóbulos brancos). No entanto, este sangue “é separado em componentes sanguíneos, dependendo da tipologia de sacos de colheitas utilizados. Geralmente produzem-se concentrados de eritrócitos, plasma fresco congelado e buffy-coats“.
O sangue doado não chega ao receptor como um todo, podendo ser administrado apenas um dos componentes, conforme a indicação do médico. “Aquilo que as pessoas recebem quando recebem uma transfusão de sangue é um concentrado de eritrócitos, ou seja, recebem os glóbulos vermelhos concentrados“, sublinha Luís Graça, imunologista e investigador no Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, em declarações ao Polígrafo. Neste concentrado não existem anticorpos.
Os anticorpos estão presentes no plasma, ou seja, vão integrar o componente plasma fresco congelado que, segundo o IPST, se destina “a patologias específicas como é o caso da púrpura trombocitopênica trombótica, ou situações relacionadas com défice de coagulação”. Este componente pode ainda ser utilizado “como matéria-prima para a produção de medicamentos derivados do plasma”, como é o caso da imunoglobulina. Apenas quem receber o plasma irá receber também os anticorpos gerados pela toma da vacina.
Uma vez explicado o processo de doação e recepção de sangue, passamos à principal questão: o sangue doado pode providenciar um “impulso de imunidade”?
A resposta é complexa. “Os anticorpos têm um tempo de vida relativo”, explica Olga Borges, investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. “Podem conferir proteção naquele momento ou durante algum tempo próximo à dádiva de sangue, mas a pessoa não vai ficar igual a uma pessoa vacinada“, sublinha.
Os anticorpos que foram introduzidos no sangue do receptor não têm a capacidade de se manterem ativos durante muito tempo. Quando um indivíduo toma uma vacina, ou quando contrai a infeção pelo novo coronavírus, o sistema imunológico cria células capazes de reproduzir os anticorpos de ataque ao vírus. São estas células de memória que vão permitir ao organismo criar rapidamente anticorpos para responder a uma nova infeção.
Na passagem de anticorpos através do plasma não são transferidas as células de memória. Ou seja, por não ter sido induzida uma resposta imunitária naquele indivíduo, o organismo não tem capacidade para continuar a produzir os glóbulos brancos que protegem contra a doença. Os anticorpos que foram recebidos através da transfusão do plasma acabam por ser destruídos pelo organismo.
Contudo, os tratamentos à base de anticorpos têm sido utilizados durante a pandemia. O plasma convalescente de um doente recuperado da infeção por SARS-CoV-2 pode ajudar no combate à doença de outro paciente. “Se eu estou doente com Covid-19 e recebo plasma de uma pessoa que foi infetada e que tem anticorpos, esses anticorpos vão atuar naquele momento em que eu estou a receber o sangue“, realça Olga Borges.
O plasma convalescente é obtido “a partir de dadores saudáveis recuperados da Covid-19 e utilizado em doentes internados numa fase precoce da doença, ou naqueles cuja imunidade humoral está comprometida”, indica o IPST, avançando que “neste momento não está prevista a utilização de plasma obtido a partir da dádiva de sangue total de dadores previamente vacinados contra o vírus SARS-CoV-2″.
Em conclusão, se um indivíduo vacinado contra a Covid-19 fizer uma dádiva de sangue, os anticorpos que existem no sangue são passados através do plasma. No entanto, isso não significa que todas as pessoas que recebam componentes do sangue doado obtenham os anticorpos, uma vez que apenas o plasma contém os glóbulos brancos. Mesmo que um receptor obtenha o plasma, a presença dos anticorpos não assegura uma proteção similar à da vacina. Pode representar uma imunização temporária que, eventualmente, será eliminada no organismo.
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Avaliação do Polígrafo:
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