schema:text
| - “Estamos neste momento a trabalhar numa tripla dimensão: um acordo com a distribuição, mas também com a produção, que traduza uma efetiva redução dos preços e a sua estabilização. Estamos disponíveis para contribuir com uma redução do IVA, que tem uma enorme vantagem para as famílias relativamente a uma redução do IRS. É que a redução do IVA tem um efeito imediato e não deferido no que pagarão a menos no IRS no próximo ano”, avançou esta quarta-feira o primeiro-ministro, no debate sobre política geral na Assembleia da República (AR).
Costa ainda não sabe como evitar o problema que Espanha enfrentou com a redução do IVA, mas o caminho pode passar por estabelecer uma ponte com os distribuidores: “É precisamente por isso que estamos a trabalhar com o setor da distribuição. Para nós há algo que é evidente: só faz sentido haver redução do IVA se essa tiver uma correspondência na redução do preço e na sua estabilização.”
A confirmação chegou hoje e, além dos novos aumentos para a função pública, o Governo vai mesmo zerar o IVA nos bens alimentares essenciais durante seis meses: um teste que pode servir para o Executivo de Costa não repetir o erro espanhol. Isto porque, no país vizinho, o aumento dos preços dos alimentos na origem engoliu completamente a redução do IVA nos primeiros 15 dias da medida: Pedro Sánchez, que conseguiu passar a isenção do IVA em dezembro do ano passado, viu os preços aumentarem 2,87% logo na primeira quinzena de janeiro, dizem os dados do Ministério espanhol da Agricultura, citado pelo jornal espanhol “El Economista“.
A 14 deste mês, dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) de Espanha mostram que a inflação subiu em fevereiro 6% em relação ao ano anterior. O INE atribui o aumento da inflação em fevereiro ao aumento dos preços dos alimentos, especialmente os frescos. As leguminosas e hortaliças, bem como as frutas, viram uma redução pontual da oferta, como consequência das condições climáticas desfavoráveis que contribuíram para um declínio da produção, o que, a par de uma elevada procura, resultou num aumento dos preços.
Ainda segundo o INE, os alimentos e as bebidas não alcoólicas sofreram um aumento anual de 16,6% em fevereiro, a taxa mais alta desde janeiro de 1994. Destaque para os aumentos no açúcar (52,6%), no leite (33,1%), nos óleos (32,9%) e nas leguminosas (23,6%).
Mas será que, sem a isenção do IVA, estes alimentos estariam ainda mais caros? E como pode Portugal fazer com que a medida resulte?
Afonso Arnaldo, fiscalista da Deloitte, não tem dúvidas de que ainda é demasiado cedo para tirar conclusões sobre o efeito da descida do IVA em Espanha. E que em Portugal, com os distribuidores na mira da população, será ainda mais fácil fazer baixar os preços com uma mexida no imposto.
“Quando eu mexo numa taxa de um produto ou serviço, como a do IVA, aquilo que acontece não é, de forma automática, haver um aumento ou uma redução dos preços, porque fica na disposição de quem transmite bens ou presta serviços, responsável por liquidar o imposto, fixar o preço ao qual vai querer vender os bens ou prestar os serviços ao consumidor”, começa por explicar Afonso Arnaldo ao Polígrafo.
“Vivendo nós num mercado concorrencial e admitindo a não existência de acerto de preços entre as entidades que vivem da concorrência, aquilo que historicamente se tem comprovado é que mesmo que, quando eu reduzo a taxa de IVA de determinado produto, no imediato não resulte uma redução de preço, o mercado acaba por fazer essa redução ao longo do tempo”, continua o especialista.
O raciocínio é simples: se o operador não baixar logo o preço na proporção do valor do IVA, vai passar a ter mais margem. Essa margem não vai durar muito tempo, considera Afonso Arnaldo, já que a dada altura vai haver um operador que decide que tem espaço para baixar e ganhar ao concorrente, chamando a si mais clientes. Este simples ato vai fazer com que a concorrência se veja obrigada a baixar o preço do produto (ou não aumentar tanto).
Para mais, o fiscalista acredita que, “com tanta pressão em cima do tema, numa situação em que se venha a reduzir a taxa de IVA, os olhos estejam muito abertos em cima das cadeias de distribuição”. Assim sendo, é expectável que as cadeias façam por evidenciar que reduziram o preço dos produtos. Mais difícil de provar é que não aumentaram tanto o preço como aconteceria sem redução do IVA, argumenta.
Bruno Santiago, advogado especialista em Direito Fiscal na Morais Leitão, sustenta aquilo que tem sido veiculado pelos meios de comunicação social espanhóis, ou seja, que “a descida do IVA naquele país não surtiu o efeito esperado de contenção da subida dos preços”.
Assim sendo, o advogado acredita que “a descida do IVA nos bens essenciais em Portugal, sem outras medidas complementares (não desejadas por alguns setores e em todo o caso de duvidosa legalidade como a limitação de preços ou de margens)”, pode ter um efeito prático “semelhante ao verificado em Espanha”.
Noutro sentido vai o especialista em Direito Fiscal da CMS, Patrick Dewerbe, que refere que “face ao contexto económico-social vivido atualmente em Portugal e no resto da Europa, relacionado, para além de outros fatores, com o aumento da taxa de inflação que ocorre desde 2022, a redução (ou eliminação) do IVA nos bens essenciais representa uma desoneração para as famílias portuguesas, com impacto especial nas famílias com menores rendimentos, porque os bens essenciais têm peso maior no seu orçamento familiar”.
Ainda assim, nota o advogado, “parece-nos que este tipo de medidas têm que ser conjugadas com eventuais apoios do Estado à distribuição e produção destes bens, sob pena da descida do IVA não ser repercutida no preço final, ficando o diferencial do IVA nos comerciantes”. Por outro lado, completa, “este tipo de medidas, por natureza temporárias, têm que ser efetivamente ser temporárias – o que raramente acontece em Portugal”.
___________________________
Avaliação do Polígrafo:
|