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| - “Chegou ao meu conhecimento que vários deputados do Chega têm quatro e mais funções e que um deles tem sete funções. O que diria o simples militante do Chega ou o cidadão eleitor se soubesse que um dos deputados que foi eleito pelo Partido Chega é membro da direção-nacional, onde é vogal”. A questão foi levantada por José Dias, antigo vice-presidente do Chega que, na sua página de Facebook, denunciou esta sexta-feira, 13 de maio, aquilo que acredita serem “amiguismos” dentro do partido de André Ventura.
De acordo com o antigo dirigente, que se dirige ao deputado do Chega Rui Paulo Sousa sem nunca mencionar o seu nome, este é, além de secretário-geral do partido Chega, presidente da Comissão de Ética do partido, vice-presidente do grupo parlamentar e ainda responsável pelas finanças e pagamentos do partido. “Isto além, claro, de ser deputado e, como tal, membro de três comissões parlamentares (uma como efectivo, nas outras duas como suplente)”.
“Não estamos a falar num deputado imaginário. Estamos a falar de um deputado bem real que é apenas um entre outros com ‘currículos’ semelhantes. Estas nomeações foram feitas com critérios pessoais de escolha que o líder pode sempre fazer. No entanto, não posso concordar que haja um militante do partido Chega com sete cargos e outros com quatro cargos. Com isso, passamos atestados de menoridade a tantos outros militantes com qualificações próprias, muito adequadas para as diversas funções”, destacou José Dias.
Ora, importa começar por fazer a conta às funções que Rui Paulo Sousa assume, ao momento, dentro do partido e no Parlamento:
Numa intervenção no IV Congresso Nacional do partido Chega, Rui Paulo Sousa fez saber que, tal como Ventura, não confiava em todos os que ali estavam presentes. Não fosse este o presidente da Comissão de Ética do partido (1), conhecida pela polémica “lei da rolha” que expulsou mais de 70 militantes. Além deste cargo, Sousa é ainda vogal da direção do Chega desde 2020 (2), mandatário financeiro (3) e, desde fevereiro deste ano, em substituição de Tiago Sousa Dias, secretário-geral do partido (4).
“Aqueles que conspiram nas nossas costas, aqueles que se escondem atrás de perfis falsos nas redes, aqueles que nos difamam, nos acusam de falsidades… Para esses nós temos apenas uma única resposta: Não nos vão vencer. E não tenho qualquer dúvida de que muitos deles estão aqui hoje presentes”, avisou.
Estas palavras, aplaudidas durante largos segundos, lembram as de Ventura, que garantiu entretanto que essa “lei da rolha” não se aplicará à bancada parlamentar do seu partido. Mas de onde veio Sousa? E como foi subindo no Chega?
Licenciado em Gestão de Empresas e ex-sócio na empresa Villabosque – Espargos Verdes do Ribatejo, em 2019 apresentava-se como o cabeça-de-lista do partido Aliança (fundado por Pedro Santana Lopes, ex-líder do PSD), pelo distrito de Santarém, às legislativas desse ano. No entanto, poucos dias depois das eleições, o empresário pediu a demissão do cargo de coordenador da concelhia de Santarém e desfiliou-se mesmo do partido.
Segundo o próprio, questões como a tauromaquia e a permanência no ensino da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica foram cruciais para a desfiliação. Além dos resultados do partido que ficaram aquém do esperado. Com o Chega, o problema não se verificou. Em 2021 concorreu à presidência da Câmara Municipal de Castelo Branco, sem sucesso, mas o Chega obteve 7,18% dos votos nesse concelho. Em 2022 foi mesmo eleito deputado pelo círculo de Lisboa (5), onde o Chega alcançou 7,77% dos votos.
Dentro do Parlamento, Rui Paulo Sousa assume agora o cargo de vice-presidente da bancada parlamentar do partido (6), além de vice-presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados (7) e suplente na Comissão de Defesa Nacional e na Comissão de Orçamento e Finanças (que não contabilizamos pelo caráter com que está a ser exercido o cargo). Com tantas funções, seria de esperar que a presença nas plenárias na Assembleia da República não fosse constante. Mas é. Rui Paulo Sousa ainda não tem uma única falta para manchar o seu currículo.
“Ao nível privado não tenho mais nenhum”
O Polígrafo entrou em contacto com o deputado, que confirma, uma a uma, todas as funções desempenhadas. Ainda assim, Rui Paulo Sousa entende por bem distinguir o trabalho que exerce no partido das atividades que tem, ao momento, no Parlamento:
“No que diz respeito ao partido, sou neste momento secretário-geral e coordenador da Comissão de Ética. A parte financeira tem que ver com o seguinte: eu realmente fui mandatário financeiro, já fui nas presidenciais, autárquicas e legislativas, porque a minha função como secretário-geral está mais virada para a parte administrativa e financeira e, dentro desta última, cabe-me a mim toda a gestão financeira. Inclusive enquanto mandatário.”
Além disto, é também vogal, um cargo que, lembra Rui Paulo Sousa, já assumia antes de ser eleito secretário-geral do Chega. Ou seja, quando foi nomeado em fevereiro o também deputado acumulou o mandato, enquanto vogal, junto com o de secretário-geral, “apesar de que, por inerência, teria na mesma um lugar na Direção Nacional”.
Já no que respeita ao Parlamento, Rui Paulo Sousa é deputado e vice-presidente da bancada parlamentar, mas lembra que todos os cargos que existem na Assembleia da República, e que ele exerce, como por exemplo o de vice-presidente da Comissão de Transparência, só podem ser tomados por deputados. Ou seja, se não ele, outro.
Apesar de todos estes cargos serem, ao momento, exercidos por Rui Paulo Sousa, só o de Secretário-Geral do Chega consta na biografia disponível no portal do Parlamento. O Polígrafo foi saber porquê.
“Nós temos dois meses, a partir do momento em que tomamos posse, para indicar os cargos à Assembleia da República, que serão analisados pela Comissão de Transparência”. Nenhum dos deputados do partido Chega entregou ainda. Têm até ao final de maio. “Quando eu entregar a minha declaração à Assembleia da República e ao Tribunal Constitucional, então aí indicarei os meus cargos ao nível do partido. Ao nível privado não tenho mais nenhum”. Rui Paulo Sousa garantiu ainda ao Polígrafo que é remunerado apenas pelo cargo de deputado.
Também ao Polígrafo, a Comissão de Transparência lembra que, de acordo com o n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Deputados – que remete para a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho (Exercício de Funções por Titulares de Cargos Políticos e altos Cargos Públicos) –, “os deputados estão obrigado a preencher, na íntegra, uma declaração única de rendimentos ou patrimónios a entregar ao Tribunal Constitucional, bem como o formulário do registo de interesses a entregar na Assembleia da República, o qual, grosso modo, pretende recolher, registar e publicitar a informação relativa aos atos e atividades previstas no n.º 3 do referido artigo 13.º da Lei n.º 52/2019”.
“Este registo de interesses, depois de preenchido e entregue pelos Deputados e validado pelo Grupo de Trabalho do Registo de Interesses, constituído no âmbito da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, estará disponível no site do Parlamento, nesta página“, acrescenta a mesma fonte.
Ainda assim, e como referiu o deputado do Chega, “o prazo para o cumprimento das obrigações declarativas pelos deputados (60 ainda contados a partir da data de início do mandato) ainda está a correr, terminando no fim do mês de maio”.
O Grupo de Trabalho do Registo de Interesses, onde também está Rui Paulo Sousa, já no início da XV Legislatura “considerou que os deputados devem declarar os cargos políticos de âmbito nacional, até porque está normalmente em causa a titularidade de órgãos sociais de pessoas coletivas de natureza associativa. Porém, considerou também que seria desejável que uma eventual revisão da Lei pudesse clarificar expressamente o âmbito das obrigações declarativas nesta sede”.
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