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| - Foi na passada terça-feira, dia 8 de agosto, que o “Público” e o “Jornal de Negócios” avançaram a notícia de que Sérgio Figueiredo, antigo diretor de informação da TVI e ex-administrador da Fundação EDP, tinha sido contratado, por ajuste direto, para uma função de consultoria do Ministério das Finanças, liderado por Fernando Medina.
Entretanto, já se sabe que o contrato de consultoria prevê uma remuneração total bruta de 139.990 euros mais IVA, pagos em 24 prestações mensais. O valor mensal corresponde a 5.832 euros, o que perfaz um total anual de 70 mil euros, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. Na verdade, um salário bruto superior ao salário base ilíquido do próprio ministro das Finanças.
Apesar de os trabalhos na Assembleia da República estarem em pausa até setembro e a vida política ficar tradicionalmente “de molho” durante o mês de agosto, as reações da oposição à contratação do ex-diretor da TVI não se fizeram esperar. Através do Twitter, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, considerou esta decisão do Governo “absolutamente criticável”. “As escolhas públicas não podem estar reféns de redes de amigos ou do pagamentos de favores. Mais um exemplo do pântano das maiorias absolutas”, assinalou. Recorde-se que Fernando Medina, na altura presidente da Câmara Municipal de Lisboa, tinha um espaço de comentário televisivo na TVI, isto quando Sérgio Figueiredo era diretor de informação da estação.
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Em declarações à TSF, Duarte Pacheco, deputado do PSD, afirmou que “só fica mal” a Sérgio Figueiredo ter aceitado o convite para o gabinete do ministro das Finanças e destacou aquele que considera ser o motivo da contratação do ex-diretor da TVI. “Não é de estranhar porque o Governo de António Costa só se preocupou, desde o início, com o problema da comunicação”, disse.
André Ventura também revelou que o Chega deu entrada na Assembleia da República a um requerimento para uma audição ao ministro das Finanças sobre a contratação para a sua tutela de Sérgio Figueiredo. O líder do Chega defendeu a necessidade de a situação ser “explicada do ponto de vista da transparência, sobretudo da transparência política e do ponto de vista da transparência da relação do Governo com a imprensa em geral”.
Além das críticas à escolha de Sérgio Figueiredo para o cargo, já várias vozes se levantaram para questionar a própria necessidade da existência das funções que, alegadamente, vão ser cumpridas pelo ex-jornalista. Ao “Público”, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia afirmou que este lugar de consultoria pode “violar o princípio da eficiência” a que todas as entidades públicas estão obrigadas na sua gestão financeira, uma vez que o salário de Figueiredo será equiparado ao do ministro.
Além disso, tanto o constitucionalista como a economista especializada em políticas públicas Susana Peralta disseram ao jornal que esta contratação gera uma “duplicação de funções“, na medida em que o Governo já dispõe de serviços com competências para fazer a avaliação e análise prospectiva na área das políticas públicas. Os dois especialistas refeririam mesmo os organismo cuja sobreposição de missões pode estar em causa: o Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública – o PlanAPP e o Gabinete de Estudos e Relações Internacionais (GPEARI) que está integrado no próprio Ministério das Finanças.
Quais as funções descritas na minuta do contrato entre o Ministério das Finanças e Sérgio Figueiredo?
Na minuta do contrato de prestação de serviços de consultoria estratégica especializada ao Ministério das Finanças, em que Sérgio Figueiredo surge como segundo outorgante, designam-se as funções que vai assumir. “Os trabalhos a realizar pelo segundo outorgante consistem na preparação de estudos e propostas, nomeadamente a auscultação de stakeholders relevantes na economia portuguesa, no âmbito da definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar, de avaliação e monitorização dessas políticas, tendo presente as atribuições legalmente atribuídas ao Ministério das Finanças e, bem assim, o aconselhamento nos processos internos de tomada de decisão”, lê-se no ponto dois da primeira cláusula do documento, que estabelece o objeto contratual.
O contrato prevê ainda que o ex-jornalista, que não tem experiência comprovada na área das políticas públicas, pode “recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo”.
E que funções têm as entidades cuja duplicação de funções pode estar em causa?
O PlanAPP, criado em março de 2021, é um organismo do Estado que, segundo se lê na sua página oficial, “apoia as diferentes áreas governativas, prestando serviços, de forma transversal, à administração direta e indireta e reforçando a capacidade de planeamento, coordenação intersetorial, avaliação e análise prospetiva na área das políticas públicas“.
São apontadas como missões da entidade o apoio à “formulação de políticas e o planeamento estratégico na definição das linhas estratégicas, das prioridades e dos objetivos das políticas públicas”, o acompanhamento da sua execução e ainda a avaliação da “implementação das políticas públicas, dos instrumentos de planeamento e dos resultados obtidos”. Informa-se ainda que o PlanAPP fica encarregado de “elaborar estudos prospetivos“.
Além disso , o decreto-lei 21/2021 de 15 de março que aprova a orgânica do centro detalha que a sua criação “permitirá acompanhar e reforçar cada uma das fases da intervenção ao nível das políticas públicas — planeamento, desenho, adoção e implementação, monitorização e revisão”. E ainda que o serviço “reúna as competências para o planeamento, o desenho e inovação, a avaliação de impacto ex ante e ex post, a monitorização e a revisão de políticas públicas”. Em suma, funções idênticas na sua descrição às descritas na minuta do contrato de Sérgio Figueiredo.
A direção do PlanAPP é composta por Paulo Areosa Feio, no lugar de diretor, e por Susana Corvelo, subdiretora. Tal como explica o “ECO“, estas funções públicas exigem a publicação do currículo em “Diário da República“, pelo que é possível consultar a experiência profissional dos dois membros da direção. Pode consultar os despachos das contratações que incluem as respetivas notas curriculares aqui e aqui. Os dois possuem ampla experiência em avaliação de políticas públicas, quer a nível nacional como internacional.
Já o GPEARI, integrado no próprio Ministério das Finanças, é liderado por José de Azevedo Pereira e, de entre as diversas missões a seu cargo, está responsável pela “avaliação e execução de políticas [públicas]” do ministério. No site oficial do gabinete descreve-se que este deve “garantir o apoio à formulação de políticas e ao planeamento estratégico e operacional, em articulação com a programação financeira”, bem como “acompanhar e avaliar a execução de políticas, dos instrumentos de planeamento e os resultados dos sistemas de organização e gestão, em articulação com os demais serviços do Ministério”.
O Polígrafo questionou o Ministério das Finanças sobre a alegada duplicação de funções e este remeteu todos os esclarecimentos para as declarações públicas efetuadas pelo Governo até ao momento. No briefing do Conselho de Ministros, que decorreu ontem, dia 11 de agosto, esta questão foi colocada ao secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas. “A criação do PlanAPP não esgota a possibilidade de haver a possibilidade de haver atividade nestes domínios, a nível setorial, em cada uma das áreas governativas, e, portanto, não há necessariamente uma sobreposição nas atividades desse serviço e de quaisquer representantes setoriais nesta matéria, ou colaboradores das diversas áreas governativas nas mesmas áreas”, referiu.
Esta sexta-feira, à margem de uma visita a uma creche em Alfragide, António Costa falou aos jornalistas, mas recusou comentar a contratação do antigo diretor de informação da TVI como consultor do ministro das Finanças. Numa tentativa de desvalorização do assunto, referiu que não comenta “composições de gabinetes dos outros membros dos governos”. O primeiro-ministro considera que “cada um deve procurar fazer o que lhe compete” e que apenas lhe compete gerir o seu próprio gabinete. Em resposta às questões dos jornalistas relacionadas com o valor da remuneração de Figueiredo, Costa garantiu que “se houver dúvidas as entidades competentes tratarão delas”.
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Avaliação do Polígrafo:
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