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| - A alegação surge no rescaldo da polémica relacionada com a disciplina de Educação para a Cidadania, que foi alvo, primeiro, de um manifesto assinado por cerca de 100 personalidades contra a sua obrigatoriedade e, depois, de um outro, com mais de 500 subscritores, a defender a importância da universalidade da disciplina, que aborda questões como direitos humanos, igualdade de género, educação ambiental e sexualidade.
Ora, é precisamente entre o turbilhão de prós e contras em relação ao assunto, que surge uma publicação na rede social Twitter que parece trazer à memória de quem lê aquilo de que muitos já não se lembram: “Há mais de 10 anos que existe uma disciplina no ensino obrigatório, chamada Formação Cívica, de frequência obrigatória, nela falavam-se de vários temas como os apresentados neste documento de 2011. Muitos jovens, hoje adultos, tiveram essa disciplina.”
Os “temas” a que o texto se refere surgem numa imagem que acompanha a publicação e, entre eles, estão “Educação Ambiental”, “Educação para a Igualdade de Género” e “Educação para os Media”
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O tweet sugere, assim, que apesar do alarido criado nos últimos dias em torno dos conteúdos abordados na disciplina de Educação para a Cidadania, muitos deles já faziam parte do plano curricular de uma disciplina obrigatória chamada Formação Cívica, que existe “há mais de 10 anos”.
Sendo assim, pergunta-se: será que a alegação corresponde à realidade?
A reposta não é única: por um lado, sim, é verdadeiro que foi criada, “há mais de 10 anos”, uma disciplina obrigatória chamada Formação Cívica equivalente à atual Educação para a Cidadania, já que muitos dos temas da primeira são abordados na segunda, e vice-versa; por outro lado, não é verdadeiro que essa disciplina exista, de forma contínua, “há mais de 10 anos”.
Em bom rigor, a disciplina de Formação Cívica foi introduzida pela primeira vez nos planos curriculares do 1.º, 2.º e 3.º ciclos, de forma obrigatória, em 2001, uma iniciativa de Augusto Santos Silva, ministro da Educação à data. O documento legal que estabeleceu a criação desta área curricular (Lei n.º 6/2001) definia que a Formação Cívica era “um espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania, visando o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, ativos e intervenientes”, precisamente aqueles que são também, hoje, alguns dos propósitos da disciplina de Educação para a Cidadania.
Mais tarde, em 2011, quando Isabel Alçada era ministra da Educação, a lei foi alterada e alargou a obrigatoriedade da Formação Cívica ao Ensino Secundário. Nas orientações curriculares da disciplina, documento que é utilizado para suportar o tweet que aqui se analisa, é possível verificar que as linhas mestras passam por temas como “Cidadania e direitos humanos”, “Educação para a saúde e sexualidade“, “Educação ambiental”, “Educação para a igualdade de género” ou “Educação para os Media”, assuntos que, mais uma vez, fazem parte dos programas da atual Educação para a Cidadania.
A verdade é que a disciplina de Formação Cívica, obrigatória desde 2001, não se manteve nos planos curriculares das escolas portuguesas por muito mais tempo. Em 2012, Nuno Crato, ministro da Educação, extinguiu-a com o objetivo de atribuir mais espaço curricular a disciplinas consideradas essenciais. Significa isto que, apesar das semelhanças evidentes entre os temas de Educação para a Cidadania e Formação Cívica, a disciplina não existe “há mais de 10 anos”, como alega o tweet, uma vez que foi extinta em 2012 e não mais voltou a existir.
Ainda naquele ano, o Governo de Pedro Passos Coelho definiu, em relação à “Formação pessoal e social dos alunos” (Lei n.º 139/2012, Artigo 15.º), que ficava ao critério de cada escola desenvolver “projetos e atividades que contribuam para a (…) educação cívica, educação para saúde, educação financeira, educação para os média”, o que consolida o fim da Formação Cívica como disciplina de frequência obrigatória.
Cinco anos depois, em 2017, no âmbito da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, surge, então, a Educação para a Cidadania. Primeiro em 235 escolas piloto, depois, em 2018, em todos os estabelecimentos de ensino do país. Nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos, a área curricular tomou a forma de uma disciplina autónoma, no Ensino Secundário é uma área transversal a todas as disciplinas. Educação para a Cidadania aborda temas como direitos humanos, igualdade de género, educação ambiental, prevenção da violência, sexualidade, literacia e até educação rodoviária, de facto, assuntos que, na sua maioria, já faziam parte do plano curricular de Formação Cívica.
Em conclusão, é verdadeiro que muitos dos temas abordados em Formação Cívica são os mesmos que constam do programa de Educação para a Cidadania. Porém, apesar de Formação Cívica ter sido uma disciplina obrigatória desde 2001, ela não existe “há mais de 10 anos”, uma vez que foi extinta por Nuno Crato em 2012.
Avaliação do Polígrafo:
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