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| - Um discurso de 2015 de Ivar Giaever, Prémio Nobel de Física norte-americano (em 1973), voltou a surgir nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, no passado dia 15 de junho. “Prémio nobel da Física nega a farsa das mudanças climáticas produzidas pelo homem e pelo CO2. O CO2 é muito bom par ao crescimento das plantas e a elevação do nível do mar é a mesma dos últimos 300 anos. O Pólo Sul não tinha tanto gelo há muito tempo. A natureza e a NASA estão a manipular-nos”, refere o texto que acompanha a imagem.
O vídeo em questão contesta informações consideradas pela comunidade científica sinais de alerta no que diz respeito às alterações climáticas e suas consequências. Ivar Giaever chega a dizer que esta questão — o combate contra as alterações climáticas — simboliza “uma nova religião”, que “não pode ser discutida”, tal como acontece com a Igreja Católica. O autor acaba por usar este argumentário para “atacar” o debate em torno das alterações no clima mundial. Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa.
Ora, tratando-se de um vídeo de seis minutos que inclui vários argumentos — já amplamente desconstruídos e verificados por vários fact-checkers internacionais e por uma vasta comunidade científica — contra o impacto das alterações climáticas, será importante destacar, pelo menos, dois: a ideia de que o nível da água do mar se manteve inalterado nos últimos 300 anos e o facto de o Pólo Sul nunca ter tido tanto gelo. Centrando nestas duas questões, importa dizer que esta verificação estará suportada por estudos/gráficos da NASA — que é a organização que Ivar Giaever mais desacredita na sua intervenção — e por documentos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Mas não só.
Comecemos por dizer que, tal como referido no início, este vídeo não é atual. Foi feito há sete anos durante a 65ª edição da Reunião do Prémio Nobel de Lindau. Depois, Ivar Giaever é fisico e não climatólogo nem especialista em alterações climáticas, apesar de a sua área ser a base da climatologia. Aliás, segundo a investigadora do Centro de Ciências e do Mar Fátima Abrantes, o trabalho deste físico tem-se centrado mais em “supercondutores e túneis de electrões que nada têm a ver com o clima”. Não o descredibiliza, nem retira importância ao que poderá defender, mas é necessário deixar essa clarificação feita.
Vamos à parte da subida do nível do mar. Francisco Ferreira presidente da Associação Zero e professor na área de ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, e uma das pessoas a que os media nacionais mais recorrem sobre temas climáticos, usa precisamente os conhecimentos científicos da NASA para afirmar que Ivar Giaever está errado. “A NASA é suficientemente credível para fazer a análise da subida do nível do mar. Nos últimos anos isso é evidente, até porque essa análise é feita não só através de maregrafos (instrumento que regista automaticamente o fluxo e refluxo das marés), mas também com recurso a satélites. O mais nítido é que passámos de uma reta de aumento para uma reta exponencial [como está visível no gráfico acima]“, explica.
Essa subida do nível do mar deve-se sumariamente a dois fatores, segundo consta também dos relatórios do IPCC: 40% deve-se a uma expansão térmica, ou seja, temperaturas mais elevadas do oceano que provocam a sua expansão em volume e depois, por causa do degelo, como compravam estimativas entre 1992 e 2017 sobre o gelo terrestre na Antártida, que contribui diretamente para a subida do nível do mar. “Não o gelo que sai dos icebergues, mas sim do que está à superfície e que, ao derreter, contribui para o aumento do nível do mar, que perfaz os restantes 60%. Muita dessa informação tem vindo a ser reforçada com relatórios do IPCC, quer em 2018, 2021 e 2022”, diz Francisco Ferreira. O presidente da Associação Zero diz ainda que “não existem artigos científicos publicados a dizer o contrário: que não existe subida do nível do mar e de que as alterações climáticas não contribuem para esta subida”.
Por último, convém dizer que o aumento da temperatura global, que está associado também à subida do nível do mar, não deve estar dissociado de anomalias. Por anomalias entende-se “eventos meterológicos extremos”, como ondas de calor, ondas de frio e a sua própria extensão e violência. “Não devemos ter uma visão exclusiva sobre o aumento da temperatura mas juntar vários elementos”, argumenta Francisco Ferreira.
Vamos ao degelo. Ou, neste caso, à ideia de que nunca existiu tanto gelo no Pólo Sul. É importante também aqui dizer que existe uma clara distinção entre os dois pólos. Enquanto no do Norte é “inegável” que o gelo está a diminuir em todo aquele território, no pólo irmão a história é diferente. “No ártico [Pólo Norte] é dramático, na Antártida é diferente. Tem sido alvo de um seguimento científico por causa do desprendimento de vários icebergues. Mas no Pólo Sul não existe uma tendência tal como existe no Pólo Norte. Tem havido variabilidade. É difícil dizer se o gelo está a aumentar ou não”, argumenta Francisco Ferreira. Este argumento rebate com a forma taxativa como Ivar Giaever apresenta o seu argumento, dizendo que nunca houve tanto gelo no Pólo Sul.
Primeiro, porque quando diz “nunca houve”, parece estar a falar de 2022. E não: o físico disse-o em 2015. E na climatologia não se analisa à lupa um momento ou um dia. Isso só acontece na metereologia. “O que interessa é olhar para uma série de anos, para períodos longos de tempo. O recorde de menos gelo no pólo sul foi registado em fevereiro de 2022. Já o máximo de inverno ocorreu em setembro de 2014. O argumento de Ivar Giaever é típico de quem nega as alterações climáticas”, explica Francisco Ferreira e que vai em linha com o que a investigadora Fátima Abrantes também explicou ao Observador, ressalvando que vários dos gráficos que Ivar Giaever demonstra não estão corretos. “Sim, toda a variabilidade acontece de forma diferente de região para região, é sempre preciso ter isso em mente. Os investigadores do clima acham que 150 a 200 anos de dados instrumentais são insuficientes para se poder confirmar o aquecimento e precisariam do registo dos gelos polares em períodos anteriores ao início da revolução industrial par perceber se o gelo aumenta ou não”, diz.
No entanto, e mais uma vez segundo o IPCC, mas também segundo a Eumetsat — organização que reúne 30 países que estão de acordo com o conhecimento científico sobre estas matérias, que contribui para um sistema de previsão meterológica –, o Pólo Sul está a perder gelo nos seus mantos (ice sheet, em inglês) — e não no gelo do mar, porque aí os indicadores têm estado estáveis, tal como dito anteriormente –, num período que vai de 1992 a 2020.
Conclusão
Um vídeo de um físico norte-americano de 2015 voltou a surgir nas redes sociais. Nesse vídeo, Ivar Giaever tece uma série de considerações para desmontar o impacto das alterações climáticas. Muitas delas já foram desmentidas anteriormente, por isso importa olhar para duas que estão também na agenda mediática: a subida do nível da água do mar e o gelo presente num dos pólos, o Pólo Sul. Quanto à primeira, é inegável, segundo vários relatórios e de acordo com as investigações da NASA, que a subida do nível da água do mar tem ocorrido, por causa do degelo mas também aos oceanos que estão cada vez mais quentes e, por isso, expandem-se. Quanto à ideia de que “nunca houve tanto gelo” num dos pólos, também não é verdade. Em relação ao Pólo Sul, não é possível dizer que existe menos ou mais gelo, tal como defende o físico norte-americano, porque não se regista uma tendência como no Pólo Norte. E essa “tendência” é um dos métodos científicos utilizados pelos climatólogos para avaliar o impacto possível das alterações climáticas.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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