schema:text
| - A revisão constitucional tem sido uma das principais bandeiras políticas de André Ventura, líder do Chega, assim como a aplicação de punições mais severas aos condenados por pedofilia. No Twitter, recentemente, o deputado voltou a admitir que defende mesmo a castração física.
“A única coisa que eu admito seria remover o órgão genial a pedófilos. Mas lá está, a Constituição não permite”, escreveu Ventura, em tweet datado de 22 de setembro.
A publicação foi feita no mesmo dia em que o Chega entregou um projeto de revisão constitucional em que inclui a remoção dos órgãos genitais a criminosos condenados por violação de menores, uma iniciativa que causou polémica e levantou dúvidas sobre a possibilidade de esta punição ser aplicada num Estado de direito democrático.
Portugal é uma “República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”, como está plasmado no Artigo 1º da Constituição da República Portuguesa (CRP). No Artigo 25º estabelece-se o “direito à integridade pessoal”, determinando que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” e “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”.
No entanto, a proposta entregue no Parlamento pelo deputado único do Chega propõe acrescentar dois pontos ao Artigo 25º da CRP:
– “Exceptuam-se das limitações acima consideradas a aplicação da pena acessória de castração química para as condutas que configurem os crimes de violação ou abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes e atos sexuais com adolescentes”.
– “Em alguns casos especialmente previstos na lei, e nos termos estritos definidos por lei especial, poderá haver lugar a castração físico-cirúrgica”.
Seria possível aplicar esta condenação em Portugal?
Questionado pelo Polígrafo, Tiago Serrão, constitucionalista e e professor de Direito na Universidade de Lisboa, sublinha desde logo que “a Constituição da República Portuguesa não consente a adopção, por parte do legislador, de soluções deste tipo”, considerando que “é uma flagrante inconstitucionalidade”.
Apesar de se tratar de uma proposta de revisão da Constituição, Serrão considera que “é relevante analisar o tema à luz da Constituição atual, porque André Ventura e o Chega não têm possibilidades políticas e reais de alterar a Constituição”.
A inclusão dessa forma de condenação “seria uma completa desconfiguração daquilo que é o Estado português”, adverte o constitucionalista. “Das duas uma, ou Portugal é, como diz na Constituição atual, uma República soberana que tem como pilar primário – não é por acaso que é o artigo primeiro da Constituição atual – a dignidade da pessoa humana, ou não tem. Se nós deixarmos de ter este pilar – que não admite esse tipo de solução -, então Portugal deixa de ser um Estado de direito democrático. Eu não estou a ver como é que isso é possível”, argumenta.
Além da legislação interna, Portugal também está abrangido pelo Direito da União Europeia (UE) e pelo Direito Internacional, incluindo vários documentos que privilegiam a dignidade humana, como por exemplo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou a Carta de Direitos Fundamentais da UE. “Todos estes instrumentos nacionais e supranacionais partem do pressuposto de que estamos perante estados de Direito democrático alicerçados na dignidade da pessoa humana”, explica o constitucionalista.
Em declarações à Agência Lusa, fonte oficial do partido Chega indicou que o procedimento de castração física seria aplicado “sempre com o consentimento do arguido e total informação dos procedimentos”. No entanto, isso não torna o procedimento viável à luz da Constituição. “O consentimento nunca pode permitir uma degradação tal da pessoa humana”, considera Serrão, salientando que “estamos a falar de uma castração física, implica a eliminação de um membro da pessoa”. Além disso, Serrão alega que “ver um condenado a consentir livremente num ato de castração é algo dificilmente imaginável”.
A mesma fonte oficial do Chega assegurou também que a aplicação da remoção dos órgãos genitais de sujeitos condenados só seria aplicada caso a castração química fosse ineficaz. À semelhança do que acontece com a castração física, também a aplicação da castração química pode ser questionada à luz da Constituição da República Portuguesa. “Acho que não há grande diferença. É verdade que no físico acaba por ser mais chocante, estamos a falar de uma eliminação corporal, mas ainda assim não parece que, do ponto de vista jurídico, haja margem para uma diferença brutal”, conclui Serrão.
____________________________
Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
|