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| - “Como é que eu posso dizer que eu sou mal pago quando temos professores a ganhar 1.000 euros e médicos a ganhar 1.200 euros?”. Foi desta forma que André Ventura, na entrevista de ontem à TVI (conduzida pelo jornalista Miguel Sousa Tavares), salientou as diferenças salariais entre deputados e outros profissionais, nomeadamente professores e médicos.
Neste âmbito importa recordar que o partido Chega apresentou uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2020, chumbada no Parlamento em fevereiro deste ano, que visava reduzir em 12,5% o vencimento mensal ilíquido dos titulares de cargos políticos. A afirmação de Ventura na entrevista de ontem enquadra-se nesse contexto, defendendo uma redução dos salários dos deputados.
“Não há médicos a ganhar isso”, ainda retorquiu Sousa Tavares. Os valores indicados por Ventura estão corretos?
Se considerarmos o vencimento ilíquido de um deputado, cujos valores podem ser consultados na página do Parlamento, os salários base rondam os 3.624 euros brutos, aos quais acrescem as despesas de representação que podem assumir valores mínimos na ordem dos 370 euros.
Quanto aos professores, tal como o Polígrafo já verificou anteriormente, em início de carreira recebem um salário mensal de 1.518,63 euros, muito superior ao valor indicado por Ventura.
No que diz respeito aos médicos, há algumas variáveis que interferem com o que um profissional pode levar para casa no final do mês. As tabelas salariais pulicadas anualmente pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) mostram que este valor está dependente de variáveis como o índice e o regime de trabalho em que se encontra cada profissional.
Assim sendo, em 2020, um médico clínico geral em regime de não exclusividade e com 35 horas de trabalho semanal aufere, no mínimo, 1.394,64 euros brutos por mês. A este valor somam-se ainda subsídios adicionais de clínica geral e remunerações por hora correspondentes a modalidades específicas de trabalho, ambos discriminados nas tabelas do SIM.
Deste modo, para um médico em exercício de profissão, o valor evocado por Ventura não corresponde à realidade. Com a excepção dos profissionais que se encontrem a terminar a formação.
Questionada pelo Polígrafo, a Ordem dos Médicos confirma que, durante esse período de Internato Médico, aplicam-se “valores brutos de 1.571 euros para os internos do Ano Comum, o que significa que o valor líquido chega perto dos 1.200 com o subsídio de alimentação”. Já no caso dos internos da especialidade, “o valor bruto mais alto é de 1.943 euros, traduzindo-se em cerca de 1.300 euros líquidos (1.400 com subsídio de alimentação)”.
De acordo com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, “o Internato Médico corresponde a um processo de formação médica, teórica e prática, que tem como objetivo habilitar o médico ao exercício da Medicina ou ao exercício tecnicamente diferenciado numa determinada área de especialização, com a atribuição do correspondente grau de especialista”. Segundo informação disponibilizada pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, “estão vedados aos médicos internos da formação geral, os atos que estão reservados aos médicos com autonomia, nos quais se incluem a prescrição de medicamentos”, entre outros exemplos.
Em suma, os valores indicados por Ventura relativamente aos salários dos professores e dos médicos estão incorretos, mas poderia estar a referir-se a valores líquidos (algo que não especificou) e, nesse caso, os valores reais do início da carreira (mediante determinadas condições) não estão muito distantes, sobretudo no que respeita a médicos internos.
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Nota editorial: este artigo foi corrigido no dia 18 de novembro, às 18h, alterando a classificação final para “impreciso”, na medida em que recebemos vários exemplos de recibos de vencimento de médicos internos com valores próximos de 1.200 euros líquidos (incluindo descontos para a ADSE, entre outras variáveis); pedimos desculpa aos nossos leitores pelo erro de percepção que estava patente na versão original deste artigo.
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Avaliação do Polígrafo:
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