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| - “Numa democracia, os factos falam mais alto do que os discursos e as encenações. Nem a maioria absoluta do PS, nem o estilo agressivo e retaliador de António Costa, são capazes de mudar a dureza e a verdade das faturas energéticas que as empresas portuguesas estão a receber“, começa por escrever Nuno Melo, eurodeputado e presidente do CDS-PP, em publicação de 5 de agosto no Facebook.
“Neste momento, enquanto o Governo fala de ‘alarmismo‘ e cria a ilusão de que reagiu aos aumentos de preços da energia batendo o pé, e uma certa plateia aplaude, há inúmeras empresas portuguesas que já foram obrigadas a suportar aumentos superiores a 100% nas faturas de energia do mês de julho, emitidas por diferentes fornecedores, para consumos equivalentes aos anteriores, ponderado o mecanismo de ajustamento determinado no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade”, garante o líder dos democratas-cristãos, referindo-se às polémicas declarações do presidente da Endesa e à reação do Governo.
No final de julho, Nuno Ribeiro da Silva afirmou que o valor cobrado na fatura da eletricidade iria subir cerca de 40% nesse mês. Segundo o gestor da elétrica espanhola, o aumento resultaria do “mecanismo ibérico” de limitação dos preços do gás decidido por Espanha e Portugal e aprovado pela Comissão Europeia, na sequência da escalada dos preços por causa da guerra na Ucrânia.
Em reação, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática refutou as “declarações alarmistas do presidente da Endesa” e garantiu que “não vê qualquer justificação no aumento de preços que foi comunicado“. Na mesma nota, o gabinete do ministro Duarte Cordeiro lembrou ainda que “o mercado livre tem outros comercializadores” e que os consumidores “poderão sempre procurar melhores preços” e “aderir à tarifa regulada que foi reduzida em 2,6% no segundo semestre deste ano”.
Ora, na publicação em análise, Melo contraria as justificações do Governo, apontando para aumentos não de 40%, mas “superiores a 100%”. O eurodeputado partilha dois exemplos de empresas nacionais através da divulgação das “respectivas faturas de eletricidade referentes a junho e a julho num caso e maio e julho no outro”.
As primeiras faturas foram emitidas pela empresa Aldro Energia. A fatura de junho tem o valor de 2.070,54 euros e a de julho de 4.579,19 euros. Ou seja, a conta de eletricidade da mesma empresa mais do que duplicou. No segundo caso, Melo divulga duas faturas emitidas pela EDP. Aqui o aumento é ainda mais acentuado: a fatura de maio totaliza 558,80 euros e a fatura de julho 2.798,60 euros, perfazendo uma escalada de cerca de 400%.
Um dos pormenores a destacar é o facto de, na fatura da Aldro Energia, surgir mencionado o mecanismo de ajustamento temporário previsto no Decreto-Lei n.º 33/2022. Do total da fatura do mês de julho (4.579,19 euros), 1.924,37 euros são atribuídos ao mecanismo.
Numa tentativa de confirmar a autenticidade das faturas, falámos com o presidente do CDS-PP que disponibilizou as faturas na íntegra para que a sua verificação pudesse ser feita junto das respetivas operadoras de energia elétrica. Analisando os consumos registados, no caso da EDP verifica-se um aumento de cerca de 25% do consumo. Ainda assim, este aumento não é proporcional à subida do valor da faturação.
Já no caso da Aldro Energia, a primeira fatura referente a junho de 2022 apresenta até um consumo superior – 16.837 kWh – à de julho, na qual se registam 15.570 kWh consumidos.
O Polígrafo contactou as duas empresas de fornecimento em causa. Fonte oficial da EDP Comercial escusou-se a prestar esclarecimentos, alegando que “por princípio, não divulga ou comenta faturas ou contratos específicos dos seus clientes“. Já a Plenitude, da Aldro Energia que adotou uma nova designação da marca, confirma a autenticidade das faturas. A empresa justifica o aumento verificado entre as duas faturas “devido a uma mudança de tarifa de preço fixo para preço indexado que ocorreu seguindo as condições gerais do contrato de fornecimento”.
“O mecanismo de ajuste é um tema recente para todos, que implicou alterações no sistema informático e de faturação. As mesmas acabaram por gerar erros que estão a ser resolvidos massivamente, nomeadamente a incorreta aplicação do mecanismo através da emissão de notas de crédito e reembolso dos valores aos clientes afetados“, informa a Plenitude, que garante ter corrigido este erro de faturação em concreto, acabando a fatura por totalizar 2.859,89 euros e não os mais de 4.500 euros que constam da emissão inicial.
Contactada pelo Polígrafo, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) começa por advertir que “a comparação intertemporal de faturas de fornecimento de energia deve fazer-se com o cuidado de ponderar vários aspetos que concorrem para a determinação do valor global da fatura: os preços unitários para a energia e para a componente de acesso (tarifas fixadas pela ERSE), o consumo global de energia e sua repartição por períodos horários (que têm preços unitários diferentes), duração do período de faturação em causa, entre outros”.
A ERSE entende que os exemplos de faturas apresentados nesta situação “têm todas estas incidências – alteração (subida) dos preços unitários da energia (que deve sempre respeitar os períodos e condições contratualizados), descida das tarifas de acesso fixadas pela ERSE (a partir de 1 de julho de 2022), períodos de faturação de abrangência temporal distinta e variações de consumo para um mesmo local de consumo”.
Segundo a entidade reguladora, “não deve atribuir-se a variação de valores globais faturados a um único fator, devendo sublinhar-se que o mecanismo ibérico de controlo dos custos de produção se justificou desde logo pela muito significativa volatilidade dos preços de energia elétrica em mercado grossista que, por sua vez, resulta da evolução também volátil e incerta dos mercados internacionais das energias primárias utilizadas na produção de eletricidade (fundamentalmente, gás natural, mas também o carvão no caso, por exemplo, do sistema elétrico espanhol, fortemente integrado com o sistema português)”.
Em suma, apesar da confirmação de que as faturas divulgadas são autênticas e que, em ambos os casos, registaram-se aumentos significativos, não é certo que tais aumentos resultem direta ou exclusivamente do mecanismo de ajustamento determinado no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade.
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