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| - “A revisão constitucional de 1997 estabeleceu um mandato único para o presidente do Tribunal de Contas. De outro modo, na ausência de limite de mandatos, poderia perpetuar-se no exercício do cargo, ademais provido por nomeação, não por eleição dos juizes seus pares como nos demais tribunais superiores. Por isso, a mesma revisão constitucional estabeleceu um mandato único para o procurador-geral da República”, afirmou ontem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na cerimónia de tomade de posse do novo presidente do Tribunal de Contas (TdC), José Tavares (pode consultar aqui o registo em vídeo).
Confirma-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), a partir da revisão de 1997, determina “um mandato único” para o presidente do TdC, impedindo assim a eventual recondução do presente titular no cargo para um novo mandato?
De acordo com o artigo 214º (Tribunal de Contas) da CRP, número 2, “o mandato do presidente do Tribunal de Contas tem a duração de quatro anos, sem prejuízo do disposto na alínea m) do artigo 133º” que, por sua vez, atribui ao Presidente da República a competência de “nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República”.
Apesar do que está disposto na CRP, o facto é que Vítor Caldeira será o primeiro presidente do Tribunal de Contas desde 1977 a cumprir apenas quatro anos de mandato (pode conferir na galeria dos presidentes que está disponível na respetiva página institucional). Mais concretamente, os antecessores João Pinheiro Farinha (1977-1986), António de Sousa Franco (1986-1995), Alfredo José de Sousa (1995-2005) e Guilherme d’Oliveira Martins(2005-2015) exerceram todos o cargo durante 9 a 10 anos, correspondendo a dois mandatos sucessivos.
“Note-se que, diferentemente do que acontece com os juízes do Tribunal Constitucional, a Constituição não proíbe a renovação do mandato”, sublinham José Gomes Canotilho e Vital Moreira, no segundo volume da “Constituição da República Portuguesa Anotada”, clarificando as implicações da revisão constitucional de 1997 no mandato do presidente do Tribunal de Contas.
Questionada pelo Polígrafo sobre esta matéria, Catarina Santos Botelho, constitucionalista e professora de Direito na Universidade Católica Portuguesa, entende ser incorreta “a defesa de uma proibição de renovação de mandatos do procurador-geral da República ou do presidente do Tribunal de Contas, por duas razões:
1) Uma regra proibitiva nesta matéria teria que ser clara. Ora, na sua atual redação, a Constituição prevê apenas duas situações de não reelegibilidade: a proibição de reeleição do Presidente da República para um terceiro mandato consecutivo (artigo 123.º, n.º 1); e, após a revisão constitucional de 1997, o mandato não renovável dos juízes do Tribunal Constitucional (artigo 222.º, n.º 3), com duração de nove anos.
2) Esta matéria consta da parte orgânica (de organização do poder) da Constituição, que, por conter essencialmente normas constitutivas e de menor densidade axiológica, pede uma interpretação mais vinculada à letra da lei do que a parte material da Constituição (direitos e deveres fundamentais)”.
Posto isto, Santos Botelho ressalva que “o facto de a Constituição não proibir a renovação dos mandatos não significa que imponha a renovação dos mandatos. A Constituição não proíbe a renovação, nem a torna imperativa. Ou seja, a decisão de renovação não depende do texto da Constituição – que não impõe a renovação, nem a proíbe – mas sim dos órgãos responsáveis pela designação do procurador-geral da República e do presidente do Tribunal de Contas: o Governo (que propõe o nome) e o Presidente da República (que nomeia)”.
De resto, a constitucionalista e professora de Direito remete para o segundo volume da “Constituição da República Portuguesa Anotada”, da autoria de José Gomes Canotilho e Vital Moreira, página 578, na qual se clarificam as implicações da revisão constitucional de 1997 no mandato do presidente do Tribunal de Contas.
“O n.º 2 relativo à duração do mandato do presidente do Tribunal de Contas foi acrescentado pela LC n.º 1/97. Trata-se, também aqui, de acentuar o princípio republicano de não vitalicidade ou duração excessiva dos mandatos em altos cargos do Estado. A limitação temporal permite também conciliar duas dimensões aparentemente opostas: (1) realçar o princípio democrático-republicano da necessidade de renovação dos titulares de cargos do Estado com a consequente fixação do tempo do mandato; (2) assegurar a garantia da estabilidade, inamovibilidade e insustentabilidade de um titular que, no caso concreto, é juiz e tem garantias próprias dos magistrados. A estas razões acresce o facto de a duração razoável do mandato (quatro anos) neutralizar, de forma tradicional, a deslegitimação política operada nos termos da al. m do art. 133º, que assim ficará confinada a casos excepcionais de quebra de confiança do Governo e do Presidente da República relativamente ao presidente do Tribunal”, esclarecem os autores.
E concluem, mais explicitamente: “Note-se que, diferentemente do que acontece com os juízes do Tribunal Constitucional, a Constituição não proíbe a renovação do mandato“.
No mesmo sentido aponta Santos Botelho: “Eu confesso que não consigo ter outra leitura que não uma opção política de não renovação. A opção é válida nos termos da Constituição. Mas que seja então assumida pelo que é – uma opção política – e não disfarçada de uma imposição constitucional que não corresponde ao que está consagrado na atual redação da nossa Constituição”.
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Avaliação do Polígrafo:
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