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| - A denúncia foi feita pelo próprio na sua página pessoal no Facebook e rapidamente se tornou viral, com milhares de partilhas: “Caros colegas, para quem, tal como eu, se indignou com o recibo de vencimento dos nossos colegas que receberam apenas 60 euros, pasmem-se com o meu recibo. No meu caso não só recebo zero, sim, leram bem, zero, como a instituição onde trabalho diz ainda que lhes devo dinheiro. E, para tal, e de forma a eu não me esquecer, enviaram-me o seu NIB junto com o recibo. Colegas, trabalho no serviço de urgência de um dos maiores hospitais do país e enfrentei o SARS-CoV-2 de frente (…) fiquei em isolamento passou de um mês (…). Certo é que este mês recebi o recibo que publico em anexo, sendo que me dizem, dos Recursos Humanos, que, como o delay de pagamento é de um mês, não tenho um cêntimo a receber, pois em maio recebo o mês de trabalho de abril (em que estive com Covid-19)”.
A acompanhar o longo desabafo feito a 29 de maio destaca-se uma imagem que mostra parte de um recibo de vencimento onde está visível uma parcela de 300,21 euros, o total de descontos, e o total líquido a receber: -65,83 euros.
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Será mesmo verdade que o enfermeiro em causa recebeu um salário com valor negativo durante o tempo em que esteve de baixa?
A resposta é sim. A folha de vencimento é autêntica. Este enfermeiro recebeu, de facto, um ordenado negativo no mês de maio. No entanto, isso não quer dizer que o profissional de saúde tenha ficado totalmente sem rendimentos durante o período em que esteve doente. Além disso, o valor negativo não resulta de um erro do hospital.
Em primeiro lugar, ao contrário do que se passou com outros enfermeiros que contraíram Covid-19 a trabalhar – que, além de receberem valores irrisórios por parte das entidades empregadoras, não foram pagos atempadamente pela Segurança Social, como o Polígrafo noticiou em artigo recente -, Hélder Martins, o autor do post, revelou ao Polígrafo que a sua situação é diferente: “No dia 23 de março contraí Covid-19 no serviço de urgência do Hospital de S. João. Estive positivo até dia 27 de abril. Neste período, a Segurança Social pagou-me a 70%, mas quando regressei ao trabalho e recebi, o recibo de vencimento vinha com um valor líquido a receber de 234 euros mais uns cêntimos e os descontos contavam-se em cerca de 300 euros, o que resultou mum saldo negativo em favor do hospital.”
A folha de vencimento é autêntica; este enfermeiro recebeu, de facto, um ordenado negativo no mês de maio. No entanto, isso não quer dizer que o profissional de saúde tenha ficado totalmente sem rendimentos durante o período em que esteve doente. Além disso, o valor negativo não resulta de um erro do hospital.
Apesar de a primeira reação ter sido de choque, Hélder Martins consultou um técnico oficial de contas e percebeu que o recibo está correto. “O que eles fizeram foi descontos sobre retroativos desde o início do ano. Eu tinha feito o pedido de alteração do número de titulares do agregado familiar porque a minha esposa começou a trabalhar e eles fizeram esse ajuste. Eu fiz a alteração em abril, mas eles fizeram o ajuste desde janeiro. Dada esta conjuntura, fiquei com um saldo negativo de 65 euros”, afirma. A conta final ficou abaixo de zero porque os impostos que o enfermeiro tinha a pagar eram muito superiores ao valor que o hospital lhe devia, uma vez que grande parte do rendimento daquele mês chegou da Segurança Social, por Hélder estar de baixa.
Questionado pelo Polígrafo, o Hospital de S. João explica que “apesar de ter sido dado cumprimento ao previsto na lei, não existindo lapso no processamento efetuado, e portanto não havendo eventual regularização a fazer, o senhor enfermeiro foi contactado no sentido de perceber o que se passava e foi informado da disponibilidade do hospital efetuar um adiantamento remuneratório (…) o senhor enfermeiro informou não pretender um adiantamento”. Na nota enviada ao Polígrafo, a assessoria do S. João deixa ainda claro que “não foi solicitado expressamente o pagamento do valor negativo, tendo sido emitida, como habitual, uma guia de reposição (…) A regularização de valores negativos é acordada posteriormente com o trabalhador”.
Questionado pelo Polígrafo, o Hospital de S. João explica que “apesar de ter sido dado cumprimento ao previsto na lei, não existindo lapso no processamento efetuado, e portanto não havendo eventual regularização a fazer, o senhor enfermeiro foi contactado no sentido de perceber o que se passava”.
Hélder Martins lamenta, mas compreende a situação: “Isto poderia ser feito noutra altura porque ajudaria a pagar as contas, mas infelizmente é o que temos e temos de viver com isso. Ainda que não concorde tenho de aceitar porque está correto.”
Exatamente a mesma perspetiva sobre o assunto tem a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco: “É uma questão injusta, porque as pessoas sentem que, quando precisam delas, pedem tudo, e aí já não há nenhuma lei que se interponha no tipo de horário que eles precisam de fazer, no número de dias que têm de trabalhar. Quando é ao contrário, já não há nenhuma exceção, já não há nenhuma ajuda, e as pessoas sentem-se um bocadinho usadas – e as palmas, só, não chegam.”
Hélder Martins lamenta, mas compreende a situação: “Isto poderia ser feito noutra altura porque ajudaria a pagar as contas, mas infelizmente é o que temos e temos de viver com isso. Ainda que não concorde tenho de aceitar porque está correto.”
Em conclusão, é verdade que um enfermeiro do Hospital de S. João que ficou infetado com Covid-19 enquanto trabalhava recebeu um ordenado negativo, e tem mesmo de devolver cerca de 65 euros à unidade de saúde. No entanto, a situação não resulta de um erro por parte do hospital. O profissional de saúde recebeu da Segurança Social o valor correto da baixa médica. Porém, uma série de acertos que foram levados a cabo pela unidade de saúde fez com que o valor do ordenado do mês de maio fosse negativo porque os impostos a pagar pelo enfermeiro eram muito superiores ao valor devido por parte do hospital.
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Avaliação do Polígrafo:
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