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| - “Contrato de quase 200 mil euros da Câmara Municipal do Seixal feito por ajuste direto com a seguinte descrição: serviços de criação artística de uma exposição diferenciada, original e impactante, capaz de traduzir os sentimentos e emoções vividas durante os tempos da ditadura”, lê-se numa publicação de 9 de novembro no Reddit, exibindo uma captura de ecrã do suposto contrato.
Foi remetida ao Polígrafo com pedido de verificação de factos.
Consultando o portal Base encontramos o registo de um contrato publicado a 19 de julho de 2022 (e celebrado no dia 1 de julho) com o seguinte objeto:
“Serviços de criação artística de uma exposição diferenciada, original e impactante, capaz de traduzir os sentimentos e emoções vividas durante os tempos da ditadura em contraponto com a alegria desmedida e euforia transbordante vividas durante e no pós 25 de abril.”
O procedimento contratual foi realizado através do regime geral de ajuste direto, alegando como fundamento para o recurso a esta modalidade a “ausência de recursos próprios”. A entidade adjudicante é o Município do Seixal e a entidade adjudicatária é a empresa “Blue Rocket Factory, Lda”. O preço contratual ascende a 183.275 euros.
Entre 2014 e 2017, a mesma empresa já tinha obtido cinco contratos por ajuste direto da Câmara Municipal de Almada, então liderada pela CDU (embora o último já tenha sido sob a nova gestão do PS), que perfazem um valor total de mais de 300 mil euros (exatamente 302.350 euros).
Somando o mais recente contrato por ajuste direto firmado com a Câmara Municipal do Seixal em 2022, também liderada pela CDU, a Blue Rocket Factory chega a um saldo global de quase meio milhão de euros (exatamente 484.725) em seis contratos por ajuste direto celebrados com duas autarquias da CDU.
Contactada pelo Polígrafo, fonte oficial da Câmara Municipal do Seixal (CMS) informa que o contrato em causa foi concretizado para o “desenvolvimento do conceito e do projeto de uma exposição permanente interativa, no âmbito das comemorações dos 50 anos do ‘25 de Abril‘”.
“A conceção deste projeto, do ponto de vista da criação artística, pressupõe também o desenho do edifício a criar, com as suas valências e espaços expositivos e a conceção do equipamento interativo a instalar”, sublinha a CMS.
Em relação à escolha da empresa, o Executivo liderado por Paulo Silva (CDU) afirma que se deve “à sua experiência em projetos diferenciadores, nomeadamente em experiências interativas”, revelando também que a criação artística já está concluída.
A CMS não se pronunciou, contudo, sobre o cumprimento das regras de contratação pública, nomeadamente a escolha da modalidade de ajuste direto.
Questionado pelo Polígrafo sobre esta matéria, Paulo Graça, especialista em Direito Administrativo, considera que – “aparentemente” – o contrato cumpre os requisitos “porque se tratará de uma situação específica que não é pré-determinável e que apela a critérios de natureza artística, em que só o próprio artista é que pode definir no momento em que faz a sua criação”.
De acordo com o disposto no Artigo 24.º (Escolha do ajuste direto para a formação de quaisquer contratos) do Código dos Contratos Públicos, qualquer que seja o objeto do contrato a celebrar pode adoptar-se o ajuste direto quando “as prestações que constituem o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade“, porque o objeto do procedimento consiste na “criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico”.
Quanto ao valor, o Artigo 23.º (Regra geral) estabelece que “a escolha do procedimento nos termos do disposto no presente capítulo permite a celebração de contratos de qualquer valor, sem prejuízo das exceções expressamente previstas”.
Questionado sobre se é comum realizar-se, em casos como o descrito, contrato por ajuste direto, Graça entende que não. “É um critério que ou de facto há ali alguma coisa que implique uma criação que não é pré-determinada, ou o que é aconselhado é que não se siga este critério porque leva sempre a alguma suspeição“.
“Deveria optar-se por fazer um concurso, dizendo que se privilegia quem fizesse a exposição em determinados termos”, completa.
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Avaliação do Polígrafo:
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