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| - Uma publicação recentemente difundida no Facebook faz uma série de alegações infundadas sobre a vacina contra a Covid-19, incluindo a de que “quanto mais vacinados, mais mortes e mais casos”, a de que “as vacinas estão matando as pessoas” e servem para “enfraquecer o sistema imunológico” — ou ainda a de que a vacina está associada a causas de morte incluindo o cancro, o AVC ou o ataque cardíaco.
A publicação, divulgada inicialmente em contas de utilizadores brasileiros, começou também a ser partilhada em Portugal e foi identificada pelo Facebook no âmbito de um projeto da rede social para combater a desinformação na internet, através de parcerias com meios de comunicação social de todo o mundo, incluindo o Observador.
O conteúdo inclui um texto e duas imagens, que são capturas de ecrã de notícias retiradas de páginas da internet, sobre a disseminação da Covid-19 numa povoação irlandesa e sobre erros em resultados de testes ao coronavírus, cuja relação com o texto é pouco evidente.
No texto, a publicação começa por contar a história da “avó” de uma “amiga” da autora. “Uma amiga vacinou a avó dela com a terceira dose da vacina e ficou p*** da vida quando eu disse que as vacinas estão matando as pessoas”, começa o texto. “Ela me disse que dispensava minha opinião porque ela acredita e segue a ciência, não meus posts no Facebook. A avó dela se vacinou dia 8 de outubro e faleceu ontem. Infelizmente, a ciência cumpriu seu papel rapidinho.”
Relativamente a este primeiro parágrafo, vejamos o que está em causa. Mesmo assumindo que esta “avó” é uma pessoa real e que a história aconteceu verdadeiramente, nada de estranho sucede com este relato — nem pode extrapolar-se daqui qualquer conclusão relativa à relação de causa-efeito entre a vacina e a morte da “avó”.
Por um lado, e assumindo que a “avó” teria morrido de Covid-19, a vacina não impede o contágio com o coronavírus, mas diminui significativamente o risco de um contágio se traduzir numa doença grave. Mas, novamente, não impede taxativamente a doença: pense numa vacina com uma eficácia de 90% a prevenir a doença grave (as várias marcas apresentam eficácias distintas). Isso significa que em 10% dos casos há a possibilidade de um infetado ficar gravemente doente. E, escusado será dizer, a vacina não é um elixir da imortalidade, pelo que não impede a morte.
Além disso, a publicação também não explicita que a “avó” tenha morrido de Covid-19, pelo que, assumindo que a história é real, a idosa poderá ter falecido de qualquer outra causa — desde a idade avançada até outras doenças com as quais a vacina contra a Covid-19 não interferiu. Por isso, a alegação de que a ciência “cumpriu seu papel” é absolutamente infundada.
A publicação prossegue, depois, com um conjunto de informações que, além de completamente erradas sobre a vacina e a doença, são também ilógicas.
“Estão todos cegos matando os familiares com doses e mais doses com medo de um vírus que tem cura se tratado. A história se repete no mundo todo. Quanto mais vacinados, mais mortes e mais casos de Covid”, alega a publicação, numa frase com várias informações enganadoras. Por um lado, a intenção da expressão “tem cura se tratado” é clara: desvalorizar a gravidade da Covid-19. Tal desvalorização não é consentânea com o que diz a ciência.
O Observador já aqui a explicou a diferença entre uma gripe comum e a Covid-19, e uma das diferenças é bem ilustrativa da gravidade da doença: enquanto a gripe sazonal causa a morte a cerca de 0,1% das pessoas que infeta, a Covid-19 matou 2% das pessoas infetadas a nível global.
Por outro lado, é factualmente errado que “quanto mais vacinados, mais mortes e mais casos de Covid” — basta olhar para estes gráficos do Observador para perceber que não há qualquer proporcionalidade direta entre o número de vacinados e a evolução dos casos e das mortes. Pelo contrário, a imunização de uma parte significativa da população portuguesa traduziu-se numa disseminação da Covid-19 a níveis muito mais baixos do que aqueles a que a doença se espalhou antes da vacinação em massa (basta pensar em janeiro de 2021).
A publicação termina com mais alguns erros. “Só que agora a imprensa parou de noticiar os casos e as mortes porque se continuassem noticiando as pessoas iriam ver que a vacina não serviu de nada a não ser para enfraquecer o sistema imunológico”, lê-se. Quanto à primeira alegação, bastará consultar regularmente os jornais portugueses, ouvir as rádios e ver os canais de televisão para constatar que os meios de comunicação em Portugal continuam a dar conta diariamente das estatísticas relativas à pandemia da Covid-19 (aqui fica um exemplo).
Quanto à segunda alegação, trata-se de uma mentira repetida múltiplas vezes, e desmistificada ainda mais frequentemente. A Associated Press já aqui desfez esse mito em concreto, explicando que as vacinas não enfraquecem o sistema imunitário, mas, pelo contrário, fortalecem-no, uma vez que estimulam a resposta imunitária a um novo vírus. Se quiser perceber pormenorizadamente como funciona uma vacina e que efeito produz no corpo, pode ler este longo e detalhado artigo publicado pelo Observador em dezembro de 2020, quando arrancou o processo de vacinação em Portugal.
Finalmente, o texto acrescenta ainda que há mais pessoas a morrer de cancro, de idade avançada, de AVC ou de ataque cardíaco — procurando associar estas causas de morte à vacina contra a Covid-19. Trata-se de mitos já propagados anteriormente. A falsa associação entre a vacina e o cancro, por exemplo, tem surgido frequentemente em obscuros fóruns dedicados à desinformação e o Observador já desmontou o mito neste fact check. O mesmo para as falsas associações da vacina a ataques cardíacos e a aneurismas.
Conclusão
A publicação em causa é uma coleção de informações erradas, associações enganadoras e mentiras científicas que, no fim, propaga uma grande quantidade de desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19. Em grande parte, a publicação recupera alguns mitos que o Observador já aqui desfez. Para que não restem dúvidas, a vacina não provoca cancro, nem AVCs, nem ataques cardíacos, nem tem o objetivo de matar pessoas ou de baixar o sistema imunitário das pessoas. Sucede, apenas, que a vacina serve para reduzir significativamente o risco de uma pessoa infetada com o coronavírus desenvolver uma forma grave da Covid-19. Não é 100% eficaz, não é infalível nem promete a imortalidade.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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