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| - O rol de alegações é extenso. Segundo esta publicação, que parece querer fazer uma comparação com os deputados portugueses, “tudo é diferente” no que toca às regras por que se regem os parlamentares britânicos. Tudo porque alegadamente estes “não têm lugar certo” onde sentar-se na Câmara dos Comuns, nem escritórios, nem secretários, nem automóveis, nem residência (ou apoios para o alojamento, pelo que se percebe da publicação), nem qualquer ajuda às despesas, nem viagens de avião gratuitas. Mais: o salário destes deputados será semelhante ao de “um chefe de secção de qualquer repartição pública”, o que mostra, para este utilizador, como são “servidores do povo” e não “parasitas”.
Esta publicação apareceu, a 24 de outubro, no grupo de Facebook “Pela verdade contra o sistema”, que reúne quatro mil membros com os objetivos de “defender a cultura histórica da civilização Ocidental e uma Europa com raízes e tradições cristãs” e “despertar o sentido patriótico e nacionalista, contra qualquer ameaça ou transformação demográfica, política, religiosa ou cultural”. Mas será tudo o que alega verdade?
Desde logo, basta uma consulta rápida ao site oficial do Parlamento britânico para perceber que vários destes pontos estão errados. “O salário base de um deputado, desde abril de 2020, é de 81.932 libras” (96.463 euros, o que dá cerca de oito mil euros mensais), explica o site. Mas acrescenta imediatamente que a isto junta-se “ajudas para cobrir os custos de ter um gabinete, empregar funcionários, ter onde viver em Londres ou no seu círculo eleitoral, e viajar entre o Parlamento e o seu círculo”.
A entidade responsável por estes pagamentos desde 2011 é a Independent Parliamentary Standards Authority (IPSA), para cujo site esta página remete, e que contém explicações mais detalhadas sobre todas as ajudas a que os deputados britânicos têm direito.
Na página do IPSA, começa-se por explicar que “o princípio mais importante é que os deputados só podem usar o seu orçamento para fins parlamentares”, e nunca para ajudar o próprio partido, para custos de campanha eleitoral ou para um cargo governamental. Além disso, têm de apresentar provas da forma como gastaram o dinheiro, “aderindo ao Código de Conduta dos deputados”.
O orçamento destes deputados, além do salário base que recebem, divide-se assim entre quatro partes, que respondem a todas as alegações colocadas pelo post que começámos por citar. Com uma ressalva: “Os deputados de Londres recebem orçamentos mais altos para os funcionários e o gabinete dados os preços mais altos na área de Londres”. São 96 deputados nessa situação.
- Funcionários. A primeira área, do orçamento é esta e, segundo o IPSA, “é de longe” a que recebe a maior fatia dos orçamentos. Na sessão legislativa de 2020 e 2021, cada deputado recebe para este fim uma soma de 177.550 (309.310 euros) ou, no caso dos deputados londrinos, 188.860 libras (222.637 euros). Em média, cada deputado emprega quatro funcionários em full-time, para o ajudarem com “trabalho parlamentar”, e pode decidir como gerir o seu gabinete. O IPSA faz questão de acrescentar que nos últimos anos houve um aumento no volume de trabalho “caso a caso” que os deputados fazem para responder às queixas dos eleitores e por isso “apoiam-se fortemente na sua equipa e muitas vezes em voluntários”. Os deputados podem ainda recorrer a assistentes parlamentares ou a investigadores para “assegurar que estão completamente preparados para discursos, debates, questões, moções, reuniões e enetrevistas”. É, por isso, falso dizer que os deputados “não têm secretários”.
- Gabinete. É a segunda maior fatia do orçamento que os deputados recebem: 25.910 libras (30.060 euros) ou 28.800 (33.935 euros) no caso dos deputados de Londres para “pagar os custos habituais de ter um escritório”, o que inclui gastos com equipamento e até material de papelaria. De novo, fica ao critério de cada deputado decidir como distribui esses gastos. E isto desmente que não tenham “escritórios” ou “despesas” pagas: é falso.
- Alojamento. Os 554 deputados de círculos eleitorais fora de Londres estão na “posição pouco habitual de terem dois lugares de trabalho: os seus círculos e Londres”, frisa o IPSA. Por isso mesmo, quem não é de Londres recebe um apoio para ajudar a cobrir o custo de ter um alojamento numa dessas localizações: são 16.120 libras (18.992 euros) para alojamento fora de Londres e 23.010 libras (27.101 euros) na capital britânica. Isto pode incluir “arrendamento e contas”, ou também pagar estadas em hotéis, se os deputados assim o desejarem. E se a segunda habitação for propriedade do deputado, embora não possa usar esta soma para pagar prestações ou rendas da casa, pode pedir que seja coberta uma parte das despesas de casa. Além disso, os deputados que tenham pessoas a seu cargo podem receber fundos adicionais para assegurar que conseguem encontrar uma casa grande o suficiente para receber a família, de forma a “ajudá-los a manter a vida familiar”. Quando se diz, assim, que os deputados pagam sozinhos pelas suas em Londres ou nas províncias, a afirmação é falsa.
- Deslocações. Quanto às viagens, que não têm um valor fixo discriminado aqui, o orçamento permite pagar aos deputados pelas viagens até Londres, ou nos seus círculos eleitorais, ou ainda dentro do Reino Unido e da Europa, desde que para fins parlamentares. O Parlamento paga ainda as viagens do cônjuge ou de pessoas dependentes para que viajem com os deputados, sem que haja um limite de viagens definido. Os deputados só não podem pedir dinheiro pela viagem diária de e para o trabalho — e, como explica o IPSA, alguns reservam bilhetes em primeira classe para “terem mais privacidade e espaço para trabalhar durante as viagens”. É verdade que os deputados não têm passagens gratuitas se não for ao serviço do Parlamento e que não têm automóveis oficiais, mas ainda assim têm as viagens pagas, não só para eles próprios, mas também para a família.
Além destes quatro pontos, existe ainda um outro orçamento para os deputados que tenham incapacidades, para que possam trabalhar em igualdade de circunstâncias, e um outro para segurança, para que possam implementar medidas de segurança que sejam recomendadas pela polícia “para manter os deputados, os seus funcionários e as suas famílias a salvo”.
O IPSA sublinha ainda que os deputados não recebem dinheiro “adiantado”, tendo primeiro de apresentar faturas dos custos. “Se o deputado gastar mais do que o seu orçamento, deve repor o dinheiro do seu próprio bolso”, ou, em circunstâncias “excecionais”, pode candidatar-se ao “painel de contingência” para receber fundos extra.
Há ainda salários mais altos, dentro do conjunto dos deputados, para os que têm “funções especiais”, como o ‘speaker’ do Parlamento (a pessoa que conduz os trabalhos) e os presidentes de cada comissão.
Quanto à alegação de que os deputados britânicos “não têm lugar certo onde sentar-se”, também incluída na publicação, ela é parcialmente verdadeira. Na secção do site do Parlamento dedicada às “regras e tradições”, explica-se que foi convencionado que os ministros se sentam no banco da frente à direita do speaker e que os “porta-vozes oficiais” da oposição usam o banco oposto, à esquerda. Mas “não há nada de sacrossanto nestes lugares”, explica o site, acrescentando que já aconteceu um deputado escolher deliberadamente outro lugar “diferente da sua posição habitual”.
Para falarem, os deputados têm de ser “chamados”, mas podem falar a partir de qualquer parte da câmara, exceto do chão, numa área sinalizada por linhas vermelhas. Os deputados têm de estar em pé enquanto falam, a não ser que por algum motivo não consigam fazê-lo.
Quanto à última alegação — de que o salário de um deputado britânico se equipara ao do chefe de uma qualquer repartição pública — há vários argumentos a favor desta ideia: como escreve o “Politics”, o salário base de um deputado em 2020 era quase três vezes superior à média salarial nacional (28,600 libras, ou 33.628 euros, anuais) mas até estava bem abaixo do que recebia, em 2019, o chefe da Polícia Metropoliana (278.563 libras ou 327. 602 euros) e abaixo da média de diretores de escolas secundárias (que ganhavam mais de 100 mil libras, ou 117,614 euros).
Em termos de comparação, um deputado português recebe, mensalmente, 4.017,94 euros se estiver em exclusividade no Parlamento e 3.635 euros se não estiver. Além disso, tem direito a receber despesas de deslocação incluindo trabalho político no seu círculo eleitoral ou em todo o território nacional (viatura oficial só para cargos cimeiros) e ajudas de custo.
Conclusão
A publicação mistura afirmações maioritariamente falsas, comparações sem um contraponto claro e algumas frases verdadeiras. Como pudemos verificar, não é verdade que os deputados britânicos não tenham secretários ou assistentes ou que não recebam ajudas para despesas e alojamento. É, no entanto, correto dizer que só recebem dinheiro por deslocações feitas ao serviço do Parlamento, que têm ordenados nem sempre acima de outros responsáveis públicos de topo ou que a atribuição de lugares dentro da Câmara dos Comuns é flexível.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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