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| - “O Presidente socialista da Assembleia da República é mentiroso ou ignorante porque, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a esperança média de vida em Portugal, em 2021, é de 81,06 anos“, destaca-se no topo do post no Facebook, datado de 16 de julho.
Assume a forma de comentário ao texto que é apresentado em seguida:
“Sabia que: Santos Silva já permitiu por mais do que uma vez o incumprimento do Regimento da Assembleia da República; Santos Silva já vetou por três vezes a discussão de projetos de lei, alegando inconstitucionalidade, por exemplo no projeto de lei do Chega que determinava a prisão até 65 anos para pedófilos, incendiários, etc., justificando que dada a esperança média de vida, 65 anos era perpétua e viola a Constituição!”
Em causa está o Projeto de Lei n.º 215/XV/1.ª, do Grupo Parlamentar do partido Chega, que deu entrada a 4 de julho na Assembleia da República, com o objetivo de aumentar a pena máxima de prisão “para 65 anos em crimes de homicídio praticados com especial perversidade, nomeadamente contra crianças”.
Ainda que não se proponha literalmente o restabelecimento da pena de prisão perpétua em Portugal, na exposição de motivos do Projeto de Lei do Chega salienta-se desde logo que “é verdade que a pena de prisão perpétua foi abolida em Portugal há mais de um século, no entanto, também é verdade que a grande maioria dos países europeus tem no seu ordenamento jurídico o instituto da prisão perpétua, é o caso da Inglaterra, Alemanha ou França. Sendo possível, por isso, concluir que as penas em Portugal são significativamente mais brandas do que no resto da Europa”.
“Na esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos europeus que partilham valores fundamentais semelhantes com o sistema jurídico português, essa resposta é dada através da aplicação do instituto da prisão perpétua, que no caso português não existe, deixando assim os portugueses numa situação de menor proteção. Face a fenómenos de criminalidade grave e violenta, homicídios, terrorismo e mesmo no âmbito de criminalidade sexual especialmente perversa e grave, a aplicação de uma pena mais gravosa pode permitir uma realização mais apurada da justiça e das suas finalidades de prevenção geral e especial”, defendem os deputados do Chega.
“O projeto-lei agora apresentado foca-se nos casos de homicídio qualificado, quando a intensidade do dolo do agente e as circunstâncias particularmente violentas ou perversas em que o crime é cometido o possam justificar face às finalidades da lei penal. Admite-se que, no futuro, também outros tipos de crimes possam vir a ser punidos com este tipo de pena, como os casos especialmente graves de tráfico de estupefacientes ou de criminalidade sexual”, lê-se no mesmo documento. “Não se trata, por isso, de reintroduzir uma abstração ou uma especificidade técnica, mas sim de aprofundar e aperfeiçoar o dever de realização da justiça a que o Estado está constitucionalmente adstrito. Um Estado tem o dever de proteger a comunidade do perigo e da ameaça, o que só é possível se dispuser dos instrumentos coercivos legítimos que permitam realizar essa proteção, independentemente do decurso do tempo”.
De acordo com a proposta do Chega, “o tribunal deve admitir a liberdade condicional de condenado a pena de prisão superior a 25 anos, depois de cumpridos 15 anos de pena”. Mais, “caso o tribunal considere que não estão cumpridos os pressupostos de aplicação de liberdade condicional, deve verificar-se nova apreciação passados 10 anos e assim sucessivamente até ao cumprimento integral da pena de prisão“.
O Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, decidiu pela não admissão deste Projeto de Lei do Chega, através do Despacho n.º 36/XV, sustentando que “a pena máxima de 65 anos proposta na iniciativa em apreço traduz, na prática, uma pena de carácter perpétuo (comprometendo, ademais, qualquer propósito de reinserção social após o cumprimento da pena), bastando, para isso, lembrar (…) que a idade para a imputabilidade penal é de 16 anos e que a esperança média de vida em Portugal é cerca de 80 anos“.
A esperança média de vida (à nascença) em Portugal tem oscilado entre 80 e 81 anos desde 2012. Logo, uma pena de prisão de 65 anos teria sempre um “carácter perpétuo” para qualquer condenado que tivesse pelo menos 16 anos de idade. Na medida em que, tal como determina o Artigo 19.º (Inimputabilidade em razão da idade) do Código Penal, “os menores de 16 anos são inimputáveis“, a proposta do Chega traduz-se sempre, na prática, em pena de prisão com um “carácter perpétuo”.
No post em causa não se faz qualquer referência à idade mínima de imputabilidade penal, sendo esse o erro de base do argumento que acaba por ser enganador.
Por outro lado, a admissão da liberdade condicional (depois de cumpridos 15 anos de pena”) no projeto do Chega pode suscitar dúvidas, mas ao estabelecer também que “a liberdade condicional tem a duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir“, equivale a uma situação de liberdade condicional até aos 65 anos de pena, o que não deixa de constituir uma pena ou medida de segurança restritiva da liberdade com “carácter perpétuo“.
Em colisão, portanto, com o Artigo 30.º (Limites das penas e das medidas de segurança) da Constituição da República Portuguesa que passamos a citar, assim concluindo esta verificação de factos:
“Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.”
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Avaliação do Polígrafo:
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