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| - No dia 28 de abril, em audição na Assembleia da República, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública comunicou aos deputados da Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local que vai ser aberta uma residência universitária em Lisboa, com 47 camas, exclusivamente para filhos de funcionários públicos.
De acordo com Alexandra Leitão, “é uma medida solidária em relação aos trabalhadores da Administração Pública e às suas famílias, que obedece aos princípios enformadores da ação social complementar” e insere-se no âmbito do Programa para Jovens Estudantes.
Leitão explicou que o Programa para Jovens Estudantes, iniciado no ano passado, ”prevê a transformação de edifícios dos serviços sociais da Administração Pública sem utilização em alojamento para estudantes”, tendo sido iniciado um projeto de requalificação para que, no próximo ano letivo, seja possível “garantir a abertura de uma residência com 47 camas em Lisboa destinadas aos filhos dos trabalhadores públicos que preencham os requisitos definidos”.
A iniciativa do Governo motivou uma vaga de críticas, desde logo por parte de associações de estudantes do ensino superior que denunciam a carência de residências (acessíveis aos alunos em geral) e consideram que se trata de uma iniciativa “discriminatória”.
“Em nenhuma das alíneas do regulamento de atribuição de bolsas a estudantes do ensino superior é referenciado que a profissão dos pais é critério para a atribuição de alojamento académico, muito menos o carácter público ou privado do empregador. O Governo deveria estar preocupado em encontrar soluções para todos os estudantes e não apenas para alguns grupos sociais“, lamentou a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Gabriela Cabilhas, através de comunicado.
Na perspetiva de Cabilhas, esta solução só pode ser “um lapso da senhora ministra, com desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, na violação do princípio da igualdade“, ameaçando recorrer à Provedoria de Justiça e ao Tribunal Constitucional, caso o Governo não desista desta medida.
Por sua vez, o presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL), Hélder Semedo, em declarações ao jornal “Expresso”, sublinhou que “o Governo anda há demasiados anos a prometer um conjunto de residências que continuam por disponibilizar. Lançou um programa nacional [Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior] mas não dotou as instituições dos meios necessários para construir essas mesmas residências, que se encontram por isso atrasadas”.
De acordo com Semedo, a Universidade de Lisboa conta com “cerca de 50 mil estudantes mas só existem 1.200 camas em residências“. Seja como for, “ninguém é discriminado no acesso a essas estruturas”, ao contrário do que irá acontecer na residência anunciada pela ministra Alexandra Leitão.
“Está a promover-se uma elitização e discriminação dos estudantes“, afirma Semedo, perguntando: “Que sentido faz anunciar a abertura de uma residência para filhos de funcionários públicos quando não são esses estudantes que têm mais dificuldades?”. O estudante de Direito considera também que “há aqui uma nítida violação da norma constitucional que determina que ninguém pode ser prejudicado ou beneficiado por razões familiares“.
A controvérsia também suscitou múltiplas publicações nas redes sociais, com alguns intervenientes a colocarem em causa a legalidade da iniciativa do Governo.
Nesse âmbito mais estrito, o Polígrafo questionou Licínio Lopes Martins, professor de Direito Administrativo na Universidade de Coimbra, o qual começou por salientar que “há uma relação de empregabilidade com o Estado. Dessa relação derivam certos complementos de caráter social para com os funcionários públicos. Portanto, há aqui uma relação especial entre uma entidade patronal pública e os seus trabalhadores (…) que justifica isto, desde que a medida seja generalizável para os trabalhadores públicos do Estado e não seja só para aqueles que estão em Lisboa ou que estejam noutra localidade. Que não seja geograficamente discriminatória“.
Sendo uma iniciativa limitada à cidade de Lisboa, Lopes Martins considera que “numa medida destas tem que se começar por algum lado, onde haja um edifício imediatamente disponível, que possa ser imediatamente requalificável ou adaptável. Se não tiver essa abrangência ou essa potencialidade de abrangência, existe um problema“.
Quanto à discriminação dos estudantes que não são filhos de funcionários públicos, Lopes Martins ressalva que “esse dever de acudir, de os socorrer e tomar medidas de apoio já existe”, sendo “autónomo em relação a esta medida”.
Para o professor de Direito Administrativo, o Estado não é obrigado a integrar esta medida no Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior. “Este complemento está ligado a uma relação especial – é assim que ela é constitucionalmente caracterizada – que é a relação de empregador público e trabalhador público. Nessa medida, não há um dever constitucional de integrar isto numa rede nacional“, argumenta.
Em suma, no que respeita à legalidade da iniciativa, Lopes Martins adverte somente para a necessidade de não ser “geograficamente discriminatória“. Ou seja, terá que ser “generalizável para os trabalhadores públicos do Estado” e não apenas para “aqueles que estão em Lisboa ou que estejam noutra localidade”. Quanto à discriminação dos demais estudantes, aponta para a legitimidade de “certos complementos de carácter social para com os funcionários públicos”, no âmbito de uma relação especial” entre empregador público e trabalhador público.
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Avaliação do Polígrafo:
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