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| - “Sabias que em 1974 tínhamos a terceira moeda mais forte do mundo, tínhamos a quarta maior reserva de ouro do mundo, a nossa economia era a que mais crescia na Europa, 9% ao ano, e que a cidade do Porto era a oitava mais industrializada da Europa, tínhamos a melhor siderurgia europeia, lapidávamos diamantes, construímos barcos de grande porte para quase todo o mundo, tínhamos a maior frota pesqueira da Europa, éramos o único país com um barco hospital, e muito mais”, salienta-se no texto da publicação, datada de 13 de dezembro.
“De 1974 a 1976 todos os nossos governos foram de cunho comunista. Em meados de 1976, os roubos ao erário publicam tinha sido de tal proporção que tivemos de pedir a intervenção do FMI para não falirmos. Nunca na História de Portugal se roubou tanto em tão curto espaço de tempo. Hoje, nas câmaras comunistas a corrupção é igualmente a principal ferramenta de governação, estão inclusive na primeira fila de tão cancerosa ação da atividade partidária”, conclui-se.
Estas alegações têm sustentação factual?
Questionado pelo Polígrafo, Gaspar Martins Pereira, professor catedrático do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, começa por refutar a questão da moeda. “Mais fortes de que moedas? Dólar, libra, marco, franco, franco suíco, rublo, yen? É óbvia a intenção de enganar os incautos. Por outro lado, uma moeda forte não é a mesma coisa que uma economia forte ou que uma sociedade desenvolvida“, contrapõe.
No que concerne à “reserva de ouro” de Portugal, o historiador diz que “não é verdade” que fosse a quarta maior do mundo. “Era a sétima ou oitava. E continuamos a ter, hoje, uma das maiores reservas de ouro do mundo. Mas isso não significa desenvolvimento ou boa saúde económica. Se significasse, países como a Austrália, Canadá, Suécia ou Dinamarca estariam muito atrás de Portugal”, sublinha.
Em resposta à alegação de que “a nossa economia era a que mais crescia na Europa, 9% ao ano”, Martins Pereira afirma que “em termos nominais, até ultrapassou os tais 9%, mas isso nada conta, se se considerar a forte inflação dessa época“. O professor catedrático explica que “a taxa de crescimento real do PIB em 1974 foi apenas de 2,9% e em 1973 de 4,9%” e acrescenta que “não tem em conta dados mais importantes: em 1970, o PIB per capita português era cerca de metade da média europeia“.
Sobre a industrialização da cidade do Porto, Martins Pereira garante que “há muito que a indústria do Porto se tinha transferido para outros locais” e “em 1974, já era uma cidade essencialmente terciária“.
Por outro lado, confirma que Portugal lapidava diamantes na altura. Contudo, provinham de Angola e “por essas e por outras razões, Portugal envolveu-se numa guerra colonial de 13 anos que custou muitos recursos materiais e humanos ao país”. Martins Pereira também reconhece que é verdade que se construíam barcos de grande porte para quase todo o mundo, mas “terá de se contextualizar com as características técnicas da navegação de longo curso da época, que faziam de Portugal um ponto de acostagem praticamente obrigatório, e também com o baixo custo da mão-de-obra“.
Quando se diz que Portugal tinha a maior frota pesqueira da Europa, resvala-se novamente para o terreno da falsidade. Segundo Martins Pereira, “muitos países da Europa tinham maior frota pesqueira e a nossa frota era essencialmente artesanal e sem qualquer capacidade competitiva”.
“A frota pesqueira não diminuiu de 1974 a 1977, antes pelo contrário. Vinha a diminuir desde os anos 60 (se considerarmos o número de barcos), subindo a partir de 1974 e atingindo o valor mais alto em 1980. Se considerarmos a tonelagem, a tendência foi sempre crescente até 1980. Baixaria nos anos 80, devido às imposições da CEE [Comunidade Económica Europeia], em que Portugal se integrou. A evolução não tem nada a ver com 1974 e com os governos da época, mas com uma multiplicidade de fatores, a começar pela alteração do regime jurídico internacional das pescas”, clarifica, remetendo para os boletins de “Estatísticas da Pesca” do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Quanto a Portugal ser o único país a ter um barco-hospital, o historiador também considera ser falso, visto que “na II Guerra Mundial, nas guerras da Coreia e do Vietname, os EUA utilizaram barcos-hospitais. E muito antes da II Guerra Mundial havia barcos-hospitais”.
Martins Pereira critica ainda a expressão “e muito mais” da publicação. “E mais o quê? Os indicadores todos em que estávamos na cauda da Europa? Taxa de pobreza, esperança de vida, mortalidade infantil, alfabetização, iliteracia, diplomados, salários, condições de habitação, cobertura das redes de saneamento básico, eletricidade, água canalizada, segurança social, alcoolismo, cuidados de saúde, etc.”, enumera.
Em suma, quase todas as alegações foram classificadas como falsas e/ou descontextualizadas pelo historiador Martins Pereira. Além disso não são tidos em conta vários indicadores importantes para descrever o panorama económico e social de Portugal no início da década de 1970, em vésperas da revolução de 25 de abril de 1974.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
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Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.
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