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| - “Como ministro da Administração Interna de José Sócrates, [António Costa] assinou com o Grupo Galilei de [José] Oliveira e Costa um contrato de compra de um sistema de comunicações (SIRESP) no valor de 485 milhões! Sabe quanto valia esse equipamento? 80 milhões. Só uma assinatura dele [António Costa] valeu um rombo de 405 milhões nos bolsos dos portugueses“.
Esta é a mensagem central de um meme que está a tornar-se viral nas redes sociais, baseando-se na imagem do atual primeiro-ministro António Costa e remetendo para uma decisão política ruinosa que o mesmo terá tomado quando exerceu o cargo de ministro da Administração Interna, no primeiro Governo do PS liderado por José Sócrates.
Mas será mesmo verdade que António Costa, nas funções de ministro da Administração Interna, decidiu adquirir o SIRESP por 485 milhões de euros mas esse sistema de comunicações valia apenas 80 milhões? Verificação de factos, a pedido de vários leitores do Polígrafo.
O Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) foi adjudicado a um consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (a qual seria rebaptizada como Grupo Galilei após a derrocada do seu principal ativo, o BPN – Banco Português de Negócios) em 2005, por um valor de 538,2 milhões de euros. O despacho da adjudicação foi assinado pelo então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, no dia 23 de fevereiro de 2005, ou seja, três dias após as eleições legislativas que resultaram na vitória por maioria absoluta do PS de José Sócrates. Importa salientar que Sanches exercera cargos de administração na Sociedade Lusa de Negócios (SLN) antes de ter sido ministro no Governo liderado por Pedro Santana Lopes.
Nos dias finais em que exerceu o cargo de ministro da Administração Interna, Sanches assinou outro despacho relacionado com o SIRESP, publicado em “Diário da República no dia 29 de março de 2005 (e assinado no dia 2 de março, 10 dias antes da mudança de Governo). Através desse segundo despacho, Sanches atribuiu à secretaria‑geral do Ministério da Administração Interna o estatuto provisório de “entidade gestora” do processo, de forma a ter poderes para “a celebração do contrato com a sociedade operadora“, ou seja, a SLN, única concorrente. Ambos os despachos foram assinados por Sanches quando o Governo de Santana Lopes estava em gestão corrente.
O consórcio liderado pela SLN foi o único que participou no concurso, porque as outras quatro empresas (entre as quais a Siemens, a Nokia e a Elocom) convidadas pelo Governo (então liderado por Durão Barroso) a apresentarem propostas desistiram logo na fase prévia. Em julho de 2003, o Governo convidou cinco empresas de telecomunicações a apresentarem propostas, mas apenas o consórcio vencedor enviou um projeto. Depois de terem pago 15 mil euros pelo programa de procedimentos, os restantes participantes desistiram, alguns dos quais alegando que o concurso estava previamente decidido.
No dia 16 de abril de 2009, Daniel Sanches prestou declarações no Parlamento, no âmbito da “Comissão de inquérito sobre a situação que levou à nacionalização do BPN e sobre a supervisão bancária inerente”. O ex‑ministro e ex‑administrador da Pleiade (uma empresa do grupo SLN, no qual Sanches exerceu cargos de administração durante oito anos, até ser nomeado ministro do Governo de Santana Lopes em 2004) assegurou perante os deputados da comissão parlamentar que não teve qualquer intervenção no projeto apresentado pelo consórcio liderado pela SLN para a implementação do SIRESP.
“De facto, só quando cheguei ao Ministério [da Administração Interna] e contactei com o processo é que constatei que só havia um concorrente e que era um consórcio liderado pela SLN”, afirmou Sanches. Quanto à urgência da adjudicação que motivou o segundo despacho, o ex-ministro associou-a à vaga de incêndios que assolou o território nacional no Verão de 2004, tornando por isso necessário equipar a Proteção Civil, as forças de segurança e os serviços de emergência com um melhor sistema de comunicações. “Eu estava firmemente convencido de que se tratava de um ato de gestão correto e que estava delineada a estrita urgência do ato”.
Após a tomada de posse do novo Governo, a 12 de março de 2005, Costa assumiu o cargo de ministro da Administração Interna e decretou a nulidade da adjudicação do antecessor com base num parecer da Procuradoria‑Geral da República. Porém, decidiu mais tarde renegociar o contrato com o mesmo consórcio liderado pela SLN, acabando por confirmar a adjudicação definitiva do SIRESP, embora por um valor ligeiramente mais reduzido: 485,5 milhões de euros.
Ainda assim, “cinco vezes mais do que poderia ter gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro. A conclusão vem num relatório escrito em maio de 2001 pelo primeiro grupo de trabalho que estudou a estrutura desta rede de comunicações e a baptizou de SIRESP. […] O presidente desse grupo de trabalho, Almiro de Oliveira – um especialista em sistemas e tecnologias da informação com mais de 30 anos de docência universitária -, não consegue encontrar justificação para a discrepância de números, até porque o equipamento que foi adjudicado tem quase as mesmas funcionalidades do que aquele que idealizou”, noticiou na altura o jornal “Público”.
“‘No nosso relatório prevíamos um investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros. A isso acrescentávamos 10% por ano, que corresponderia ao custo de exploração’, precisa o professor universitário, que recorda que hoje [em 2008], face à desvalorização da tecnologia, os valores do investimento inicial rondarão entre 70 e 105 milhões de euros”.
Em suma, os números evocados na publicação em análise não são rigorosos, sobretudo no que respeita ao valor do equipamento: no relatório do grupo de trabalho dirigido por Almiro de Oliveira apontava-se para um “investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros”. Por outro lado, o meme é simplista e não apresenta o devido contexto: a decisão política já tinha sido tomada pelo anterior ministro, Sanches, ao passo que o sucessor, Costa, renegociou o contrato e reduziu ligeiramente o preço. Ainda assim ficou bastante inflacionado, tendo em conta o supracitado relatório.
Avaliação do Polígrafo:
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