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  • Um utilizador de Facebook colocou uma montagem com uma imagem do ex-Presidente da República Ramalho Eanes e juntou-lhe um pequeno texto que, no fundo, faz um elogio à desobediência civil. Ali, lê-se que “o nosso problema é a desobediência civil”, e que esta está por detrás de questões como a “pobreza, fome, estupidez, guerra e crueldade”. Acontece que, apesar de este excerto ser parcialmente verdadeiro, não foi dito ou sequer defendido por Ramalho Eanes. Não é ele o autor da afirmação. Por isso, importa referir, antes de mais, que este post é falso. De onde vêm, então, aquelas palavras? É preciso recuar até 1970, a um debate na Johns Hopkins University, na cidade de Baltimore, nos EUA. O tema em causa era a desobediência civil e um dos intervenientes foi Howard Zinn. Com um passado que ia desde bombardeiro na Segunda Guerra Mundial a estivador, Howard Zinn era à altura um historiador e figura da esquerda norte-americana, que à altura se batia especialmente contra a guerra no Vietname. Ali, Howard Zinn fez um discurso onde, em resposta a outro orador, e depois de uma longa introdução, foi ao miolo do que queria dizer: “Está a dizer que o nosso problema é a desobediência civil. Esse não é o nosso problema… O nosso problema é a obediência civil”. Aqui fica mais um excerto desse discurso, que traduzimos: “O nosso problema é a quantidade de pessoas que, em todas as partes do mundo, têm obedecido às ordens dos líderes dos seu governo e têm ido para a guerra, e os milhões que foram mortos por causa desta obediência. E o nosso problema é aquela cena do ‘A Oeste Nada de Novo’ em que rapazes se alinham para marchar de obedientemente em direção à guerra. O nosso problema é que as pessoas são obedientes em toda as partes do mundo, seja perante a pobreza, a fome, a estupidez, a guerra ou a crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes enquanto as prisões estão cheias de pequenos ladrões quando os grandes ladrões estão a mandar no país. Esse é o nosso problema”. O discurso está disponível na íntegra no bestseller de Howard Zinn “A People’s History of the United States” (“A História Popular dos Estados Unidos da América”, sem edição portuguesa). O livro teve a sua primeira edição em 1980 e conheceu a sua última atualização a 2009, um ano antes de Howard Zinn ter morrido aos 87 anos. Do discurso de Howard Zinn no debate na Johns Hopkins University não sobra nenhum registo em vídeo ou sequer áudio. Porém, já depois da sua morte, ficou celebrizado depois de o ator Matt Damon o ter interpretado em palco. Matt Damon, além de admirador de Howard Zinn, chegou a produzir com ele o documentários “The People Speak”, baseado no livro “A People’s History of the United States”. E como é que tudo isto vai dar a Ramalho Eanes? Não é certo. Mas já em 2014 aquele excerto adaptado do discurso de Howard Zinn era atribuído ao ex-Presidente da República, num post de Facebook do partido Nós, Cidadãos. Para que se tenha uma ideia do alcance daquele post, desde então ele já teve mais de 10 mil partilhas. Curiosamente, anos mais tarde, em 2017, Ramalho Eanes foi chamado como testemunha abonatória de Paulo de Morais, que em 2019 viria a ser cabeça-de-lista do Nós, Cidadãos às eleições para o Parlamento Europeu. https://www.facebook.com/noscidadaos/photos/a.1515881771973490/1584499935111673/?type=3&__tn__=-R Conclusão É falso que Ramalho Eanes tenha dito algo a favor da “desobediência civil” e que tenha ainda acrescentado que “o nosso problema é a obediência civil”. Esta é um excerto que já lhe foi atribuído em vários posts, ao longo de pelo menos seis anos, inclusive por um partido político. Porém, aquelas frases são um excerto de um discurso de 1970, da autoria do historiador norte-americano Howard Zinn. E em nada estão relacionadas com o ex-Presidente da República português. Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é: Errado No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é: FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos. Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
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