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| - “Nós temos neste momento o programa ‘Mais Habitação’ em discussão pública, com alguns contributos que assentam em vários equívocos. O mais extraordinário de todos é que eu vejo grande oposição a medidas que não são propriamente novas, são medidas que já existem. Há muitos anos que o regime geral de urbanização e de edificação prevê a posse administrativa para efeitos de reabilitação e até o arrendamento forçado”, começou por explicar o primeiro-ministro, no debate desta quarta-feira na Assembleia da República.
Num recuo até 2014, à Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, António Costa deu como exemplo o artigo 36.º, “que está em vigor e que nunca ninguém suscitou a sua inconstitucionalidade, diz o seguinte: ‘os edifícios e as frações autónomas objeto de ação de reabilitação podem ser sujeitos a arrendamento forçado, nos casos e nos termos previstos na lei'”.
Isto para dizer que, “a previsão de haver arrendamento forçado não é propriamente uma novidade. Ela já existe na lei. E devo-lhe dizer: quem assinou este diploma de 2014 foram não três marxistas ignorantes, mas três pessoas sábias e creio que nenhuma delas marxista. Em primeiro lugar, a Presidente da Assembleia da República, Maria Assunção Esteves. Foi promulgado pelo professor Aníbal Cavaco Silva, sábio dos sábios. E, finalmente, foi referendado pelo não menos sábio Pedro Passos Coelho”.
O primeiro-ministro arriscou mesmo dizer que o arrendamento forçado é, de todo o pacote, aquele que traz menos novidade, declarações feitas horas depois de Marcelo Rebelo de Sousa admitir vetar a medida do Governo. Vejamos se Costa tem razão e se, já em 2014, a lei promulgada por Passos Coelho previa um arrendamento forçado de habitações.
De facto, a Lei de Bases da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada em 2014 durante o Governo de Passos Coelho, foi a primeira a consagrar o dever de o Estado intervir nos edifícios e frações autónomas objeto de ação de reabilitação, que passaram a estar “sujeitos a arrendamento forçado, nos casos e nos termos previstos na lei”.
Agora, a vontade de Costa é reagir ao problema da habitação com uma solução ainda mais polémica, mas que o primeiro-ministro defende como constitucional: a obrigatoriedade do arrendamento das casas devolutas. “O direito da propriedade é um direito fundamental, mas, como todos os direitos, tem de se compatibilizar com outros direitos fundamentais, e o direito à habitação é também um direito fundamental, e há um princípio da função social da propriedade, que já um princípio bastante antigo, e que, naturalmente, tem que ser tido em conta nestas restrições”, argumentou o primeiro-ministro a 16 de fevereiro deste ano, na apresentação do novo programa de habitação.
Numa frase que foi repetida várias vezes, inclusive por Marina Gonçalves, nova ministra da Habitação de Costa, “não se trata de expropriar a propriedade que está devoluta”, mas sim de “fazer um arrendamento obrigatório, onde o Estado pagará ao proprietário a renda que é legítima, com o direito de se cobrar da renda que cobra ao seu arrendatário e das obras que eventualmente tenha que fazer, coercivamente, para restabelecer as condições de habitabilidade do imóvel”.
No caso da lei promulgada por Cavaco Silva, já no Decreto-Lei n.º 266-B/2012 tinha sido estipulado que o arrendamento forçado decorria nos seguintes modos: “a entidade gestora pode impor ao proprietário de um edifício ou fracção a obrigação de o reabilitar, determinando a realização e o prazo para a conclusão das obras ou trabalhos necessários à restituição das suas características de desempenho e segurança funcional, estrutural e construtiva, de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.”
Se o proprietário, incumprindo a obrigação de reabilitar, “não iniciar as operações urbanísticas compreendidas na acção de reabilitação que foi determinada, ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito sejam fixados, pode a entidade gestora tomar posse administrativa dos edifícios ou fracções para dar execução imediata às obras determinadas”. Neste caso, e após a conclusão das obras realizadas pela entidade gestora, “se o proprietário, no prazo máximo de quatro meses, não proceder ao ressarcimento integral das despesas incorridas pela entidade gestora, ou não der de arrendamento o edifício ou fração por um prazo mínimo de cinco anos afetando as rendas ao ressarcimento daquelas despesas, pode a entidade gestora arrendá-lo, mediante concurso público, igualmente por um prazo de cinco anos.”
Este arrendamento já estava estipulado, de resto, e com a mesma formulação, no Decreto-Lei n.º 307/2009 Em conclusão, é verdade que a lei de 2014, assinada por Passos e por Cavaco, já previa a possibilidade de arrendamento forçado de edifícios e frações autónomas “objeto de ação de reabilitação”, em determinadas circunstâncias. No entanto, a nova medida que está a ser preparada pelo Governo de Costa vai mais longe nesse âmbito, não se limitando aos edifícios reabilitados.
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Avaliação do Polígrafo:
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