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| - Na madrugada da última quinta-feira, 8 de dezembro, as fortes inundações em Lisboa levaram Carlos Moedas (e até o Presidente da República) ao terreno, onde o presidente da Câmara pôde enumerar causas, problemas e soluções no sentido de evitar novas ocorrências: chuvas intensas são parte “das mudanças climáticas” e, aos lisboetas, foi pedida paciência até 2025.
“As mudanças climáticas levam-nos a acreditar que estas mudanças são terríveis. Temos de lutar para mudar esta situação e foi por isso que hoje [quarta-feira] aprovámos na Assembleia Municipal todo o orçamento que vai permitir fazer os grandes túneis de drenagem”, adiantou o autarca.
Sobre a construção dos dois grandes coletores – túneis de drenagem – na cidade, Moedas culpa os antecessores pelo atraso de 20 anos no projeto. Mas não só: presidente da Câmara desde setembro de 2021, o social-democrata atribui a si próprio a consignação da obra, ou seja, a efetivação do contrato com a construtora Mota-Engil.
“Esta é uma obra de que se fala há 20 anos. Nós consignámos a obra. Vai começar em março. Vamos começar a escavar este túnel que vai estar a 70 metros de profundidade e que levará todas as águas da bacia até Santa Apolónia. Vamos evitar estas cheias de uma vez por todas”, garantiu o autarca aos jornalistas.
Os factos confirmam as declarações de Carlos Moedas, mas o que é certo é que o social-democrata herdou um projeto praticamente completo, de onde constava, inclusive, um contrato já assinado: em dezembro de 2020, a fechar o ano, a Câmara Municipal de Lisboa, liderada pelo socialista Fernando Medina, aprovou a adjudicação da empreitada para execução dos Túneis de Drenagem de Lisboa pelo consórcio que juntou a Mota-Engil à francesa SPIE Batignolles.
Num comunicado divulgado a 22 de dezembro, a autarquia classificou o concurso público internacional lançado para esta intervenção como “um dos maiores do país e o maior alguma vez realizado pela Câmara Municipal de Lisboa”, já que envolvia um investimento da ordem de 133 milhões de euros, “prevendo-se o início do contrato até ao final do 1º trimestre de 2021 e a sua conclusão em meados de 2024”. Em causa estava a construção dos já mencionados dois túneis, entre Monsanto/Santa Apolónia (5 km) e Chelas/Beato (1 km), ambos com diâmetro de 5,5 metros.
Medina errou por pouco: foi logo no início do segundo trimestre de 2021 que o contrato foi assinado e publicado no portal Base, mais precisamente no dia 28 de abril. Os 132,9 milhões de euros para “empreitadas de obras públicas” tinham um prazo de execução de 1140 dias, sensivelmente três anos. Tendo em conta o contrato assinado pela Câmara Municipal de Lisboa, o prazo de execução do projeto começaria a contar a partir da data da conclusão da consignação total ou da primeira consignação parcial, nos termos do número um do artigo 362.º do CCP. Os planos de Medina alteraram-se e, saído da Câmara Municipal de Lisboa em setembro de 2021, o socialista ficou de fora deste processo. Mas como se explica esta burocracia?
No plano jurídico, chama-se consignação da obra ao “acto pelo qual o representante do dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde hajam de ser executados os trabalhos e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto que sejam necessárias para que possa proceder-se a essa execução”.
De acordo com o artigo 356.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), o dono da obra deve “facultar ao empreiteiro o acesso aos prédios, ou parte dos mesmos, onde os trabalhos devam ser executados e fornecer-lhe os elementos que, nos termos contratuais, sejam necessários para o início dos trabalhos”.
Segundo o portal do Plano Geral de Drenagem, as consignações para os dois túneis foram assinadas em outubro e novembro deste ano pelo atual presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas. A 20 de outubro, a assinatura do Auto de Consignação entre a Equipa de Projeto do Plano Geral de Drenagem de Lisboa, os representantes do consórcio empreiteiro Mota-Engil/Spie Batignolle e a empresa de fiscalização TPF “formalizou o início dos trabalhos em Santa Apolónia, túnel Campolide-Santa Apolónia, e no Beato, Infante D. Henrique no cruzamento com a Rua dos Amigos de Lisboa/Rua do Açúcar, túnel Chelas Beato”.
Já a 22 de novembro, pouco mais de um mês depois, voltava a ser assinado, entre as mesmas entidades, o Auto de Consignação que formalizou o início dos trabalhos na Avenida Almirante Reis e Largo do Intendente. Contas feitas, o momento de assinatura confirma as previsões de Moedas que empurram este projeto para 2025 (tendo em conta os três anos de prazo de execução que constam no contrato).
Em suma, Moedas está certo quando refere que foi na qualidade de presidente da Câmara de Lisboa que consignou a obra que deu início à construção dos túneis de drenagem em Lisboa. Porém, este passo é meramente simbólico tendo em conta todo o processo que foi entregue a Moedas aquando da sua entrada para a autarquia: uma adjudicação feita, um contrato assinado e até um prazo de execução até 2024 (que é agora alargado para 2025 tendo em conta o atraso de um ano na consignação da obra).
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