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| - “Ex-Secretária de Estado do Turismo, Rita Marques deu apoio fiscal ao projeto que agora vai gerir! Ela beneficiou uma empresa há menos de um ano e imediatamente a seguir a sair do Governo vai trabalhar para essa empresa. A ilegalidade é claríssima. Só que as lacunas da lei asseguram a impunidade”, alega-se num post de 9 de janeiro no Facebook.
Dois dias antes, o jornal “Observador” revelou que “Rita Marques vai ser a administradora de uma empresa privada, a The Fladgate Partnership, e gerir o quarteirão cultural WOW, ao qual tinha concedido estatuto definitivo de utilidade turística há menos de um ano, como comprova um despacho que assinou a 21 de janeiro de 2022. A ida para a holding privada do setor do turismo acontece apenas 38 dias após Rita Marques ter sido exonerada como governante na área do Turismo”.
A 9 de janeiro, o mesmo jornal apresentou novos detalhes sobre o caso: “Em 2020 e 2021, anos em que Rita Marques foi Secretária de Estado do Turismo, o WOW teve benefícios fiscais de 266 mil euros. Ex-governante assinou utilidade turística definitiva do projeto. Foi em dezembro de 2018 que chegou o carimbo que conferiu ao WOW o estatuto prévio de utilidade turística, num despacho assinado pela então secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho. Os primeiros montantes relativos aos benefícios fiscais que o estatuto confere seriam registados no ano seguinte: 13,6 mil euros foi o bónus fiscal auferido em 2019.
Os montantes mais significativos recebidos pela Hilodi – Historic Lodges & Discoveries, SA, a sociedade que detém o World of Wine, seriam registados nos dois anos seguintes, já com Rita Marques enquanto Secretária de Estado do Turismo, cargo que assumiu em outubro de 2019. Nos anos de 2020 e 2021, o projeto conhecido como o quarteirão cultural de Gaia teve bónus fiscais, em sede de IMI, no valor de 133 mil euros por cada ano, ou seja, 266 mil euros no total.”
“A ilegalidade é claríssima”, tal como se alega na publicação?
De acordo com o estipulado na Lei n.º 52/2019 (Aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos), mais precisamente no Artigo 10.º (Regime aplicável após cessação de funções), “os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem exercer, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do respetivo mandato, funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado e que, no período daquele mandato, tenham sido objeto de operações de privatização, tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, ou relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político”.
A mesma lei ressalva como excepção “o regresso à empresa ou atividade exercida à data da investidura no cargo”, o que não é o caso de Rita Marques que em outubro de 2019, quando assumiu o cargo de Secretária de Estado do Turismo, exercia as funções de presidente da Portugal Ventures, sociedade pública de capital de risco.
Para dissipar quaisquer dúvidas, o Polígrafo questionou Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sobre esta matéria. “Não respeitou o designado período de nojo que a lei estabelece relativamente a governantes e entidades que estiveram sob a esfera de influência de atuação enquanto governante”, confirmou.
Quanto a eventuais consequências, Otero diz que “a lei prevê que possa existir o desencadear de um processo de averiguações por parte do Ministério Público no sentido de apurar se isso é resultado de, por exemplo, alguma contrapartida e nesse sentido poder existir crime dessa conduta. Mas, à partida, a presunção é sempre de inocência“.
“Há uma violação clara, indiscutível da lei das incompatibilidades”, conclui.
No mesmo sentido aponta Guilherme Figueiredo, ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, o qual sublinha que “a lei é absolutamente clara“, embora lamentando que o regime sancionatório não seja dissuasor.
“Há aqui uma questão que é importante. O regime sancionatório que vem no Artigo 11.º, no fundo isto fica no sentido de havendo a tal infração, não poder exercer funções de cargos políticos e altos cargos públicos por um período de três anos. Ora, isto não é sanção que se mostre. Assim compensa violar a lei“, critica.
No referido Artigo 11.º (Regime sancionatório) da Lei n.º 52/2019 estabelece-se que “a infração ao disposto no Artigo 10.º determina a inibição para o exercício de funções de cargos políticos e de altos cargos públicos por um período de três anos”.
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Nota editorial:
Cerca de oito horas após a publicação deste artigo, no dia 12 de janeiro, a própria Rita Marques anunciou na sua página do LinkedIn que decidiu não assumir o cargo na empresa The Fladgate Partnership. “Considerando que a minha carreira profissional tem sido sempre pautada pela competência, pelo rigor, por estritos princípios e valores éticos, e pelo cumprimento incondicional da lei, entendo que não tenho condições de aceitar, nesta altura, o convite que me foi dirigido, e que previa que eu iniciasse funções a 16 de janeiro”, escreveu a ex-secretária de Estado do Turismo.
No momento da publicação deste artigo, porém, o convite não tinha sido recusado (pelo contrário) e a análise jurídica do disposto na Lei n.º 52/2019 baseia-se nesse facto. Mas a leitura do mesmo deverá ter em conta esta nova informação e a explicação prestada entretanto pela visada.
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Avaliação do Polígrafo:
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