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| - O que estão compartilhando: que o bilionário Elon Musk, nomeado pelo presidente Donald Trump para chefiar o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) dos Estados Unidos, teria revelado uma fraude na Previdência Social. Ele teria descoberto que milhões de pessoas mortas estariam recebendo pagamentos, muitas delas registradas como tendo mais de 120 anos de idade. Haveria até mesmo beneficiários listados como tendo mais de 200 anos.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Os dados apresentados por Trump e Musk estão errados. Os números divulgados pelo bilionário incluem quase 400 milhões de pessoas, mais de cinco vezes o total de quem recebeu benefícios em 2024. Especialistas disseram a veículos de imprensa dos EUA que as distorções nos dados divulgados podem ser explicadas pelo uso de uma linguagem de programação antiga no sistema previdenciário americano. Ainda que ocorram casos pontuais de fraudes e irregularidades, o problema não é tão extenso quanto foi alardeado — a porcentagem de pagamentos indevidos é de menos de 1%. Vale dizer que, desde 2015, a Previdência Social encerra automaticamente o pagamento de pessoas maiores de 115 anos.
Saiba mais: Na sua sede rede social, X, Musk publicou uma tabela, atribuída por ele ao “banco de dados da Previdência Social”, que aponta pagamentos para mais de 20 milhões de pessoas entre 100 e 159 anos. Porém, segundo o censo de 2024, os EUA têm 101 mil pessoas com cem anos ou mais, apenas 0,03% da população.
Outra inconsistência da tabela de Musk é que são listadas quase 400 milhões de pessoas, um número maior do que toda a população dos EUA, estimada em mais de 340 milhões de pessoas.
A tabela divulgada por Musk, que não teve sua autenticidade confirmada, traz ainda a peculiaridade de apontar um pagamento para alguém enquadrado na faixa de 240 a 249 anos e outro para um segurado com 360 a 369 anos. O empresário ironizou: “Talvez Crepúsculo seja real e haja muitos vampiros recebendo o Seguro Social, afirmou, referindo-se à saga literária juvenil levada com sucesso ao cinema.
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Fraudes foram identificadas em menos de 1% dos benefícios
A Previdência Social dos EUA é conhecida como Social Security Administration (SSA), que informa em seu site pagar benefícios a mais de 72,5 milhões de pessoas.
De acordo com checagem da revista Time, que apresenta dados de um relatório oficial divulgado em 2024, referente aos anos fiscais de 2015 a 2022, “a SSA pagou quase US$ 8,6 trilhões em benefícios, incluindo US$ 71,8 bilhões, menos de 1%, em pagamentos indevidos. E a maioria dos benefícios errôneos foram valores em excesso para pessoas vivas”.
Casos pontuais de fraudes e irregularidades nos pagamentos previdenciários dos EUA não são novidade e pautam diferentes administrações, tanto sob a presidência de republicanos quanto de democratas. O Washington Post apurou que existem casos em que os pagamentos da Previdência continuam por meses após a morte de uma pessoa, mas as autoridades normalmente lidam com esses problemas de informação rapidamente.
Defasagem tecnológica explica dados errados
O jornal Washington Post consultou especialistas das áreas de previdência social, finanças e tecnologia. Estes avaliaram que “peculiaridades de codificação e tecnologia ultrapassada, e não fraude, explicam por que tantos americanos estão listados como tendo 150 anos de idade nesses bancos de dados. E, embora a fraude possa existir, ela é limitada em comparação com outros programas de auxílio do governo”.
Segundo o jornal, desde 2015, a SSA automatizou o encerramento dos benefícios para pessoas que atingem 115 anos de idade. Um relatório de 2023 do inspetor-geral do órgão constatou que a grande maioria dos beneficiários que não tinham uma data de nascimento listada já havia morrido. O documento mostrou ainda que 98% das pessoas com cem anos ou mais nos bancos de dados da Previdência Social não recebem nenhum benefício.
O “mal-entendido” na interpretação dos dados aos quais a equipe de Musk teve acesso, de acordo com a reportagem, tem origem em problemas de codificação de informações. A SSA mantém bancos de dados em Cobol, uma linguagem de programação de computador criada há quase 70 anos e ainda usada em setores governamentais e financeiros.
Mas, diferentemente da maioria das linguagens de programação modernas, o Cobol não tem uma maneira padronizada de armazenar e trabalhar com datas. Muitas datas precisam ser codificadas em um número de referência, explicou ao Washington Post o especialista Manjeet Rege, presidente do Departamento de Engenharia de Software e Ciência de dados da Universidade de St. Thomas.
O número de data de referência mais comum é 20 de maio de 1875, o dia em que esse padrão foi estabelecido. Isso significa que, se alguém se inscrever no Seguro Social sem uma data de nascimento, poderá ser registrado como tendo 150 anos de idade no banco de dados, dependendo de como o programador solucionar o problema. Os responsáveis pela criação do banco de dados do Seguro Social podem, portanto, ter definido 1875 como o ano de nascimento padrão para qualquer pessoa que não tivesse essa informação na época da inscrição.
Musk não informou a qual banco de dados teve acesso, mas que seus funcionários haviam iniciado um “exame superficial” do sistema. A questão da defasagem tecnológica foi analisada pela revista Wired. A publicação considerou que o grupo de jovens engenheiros de Musk pode não estar familiarizado com o Cobol, linguagem pouco usada atualmente.
Para a publicação, “o fato de o sistema da Previdência Social conter milhões de entradas de pessoas que morreram é provavelmente um potencial erro causado pelo Cobol, o que não é novidade”. O relatório de 2023 da SSA dizia que o banco de dados não seria atualizado em razão do alto custo para fazer isso.
Investida contra o serviço público liderada por Musk abriu muitas frentes
Desde sua posse, em 20 de janeiro, o governo Trump tem promovido uma cruzada contra a máquina pública, que ele avalia estar emperrada por gastos, serviços e funcionários desnecessários. Com Musk à frente da investida, está sendo promovida uma devassa em diferentes setores do governo, inclusive os que lidam com informações consideradas confidenciais e sensíveis, com a alegação de enxugar custos e aumentar a eficiência do aparato estatal.
O braço reformista envolve, entre outras, questões econômicas, como políticas tarifárias, ambientais e sociais, a exemplo da controversa ação dirigida a imigrantes e os ataques à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), responsável por 40% dos programas de assistência humanitária no mundo. No caso da USAID, as decisões do governo Trump estão gerando uma campanha de desinformação que tem impacto também no Brasil.
Este tema também foi checado também por Aos Fatos, AP e BBC.
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