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| - Frederico Pinheiro esteve ontem à tarde na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP para ser ouvido sobre as acusações feitas ao próprio por João Galamba, ministro das Infraestruturas. Agressões físicas e verbais, murros e até um sequestro foram algumas das palavras que foram soando ao longo do dia de ontem, mas, mesmo ao fim de largas horas, restaram mais dúvidas do que certezas. Por exemplo, será que a demissão do adjunto do ministro por telefone impedia automaticamente Frederico Pinheiro de entrar no Ministério das Infraestruturas e de recolher ou aceder ao seu material de trabalho?
O Polígrafo falou com Mário Silveiro de Barros, especialista em direito laboral, que esclarece que, embora tenha decorrido por telefone, o despedimento de Frederico Pinheiro permanece válido já que o despacho, publicado a 10 de maio, tem efeitos retroativos a 26 de abril, o dia dos acontecimentos no ministério das Infraestruturas: “Falta-lhe eficácia, mas há eficácia retroativa e, portanto, não há nenhum tema jurídico.” Pode isto significar que a entrada do ex-adjunto de Galamba no edifício e a recolha do computador são ilegais? A resposta é distinta para ambas as questões.
Sim, Frederico Pinheiro tinha o pleno direito de aceder ao edifício mesmo depois do telefonema em que foi informado do seu despedimento: naquele ministério, o ex-adjunto mantinha bens pessoais aos quais ainda podia aceder, sobretudo para os recolher. Embora não tivesse já as “prerrogativas que tinha anteriormente, Frederico Pinheiro manteve o direito de entrar no ministério para retirar os seus pertences, como qualquer trabalhador”.
Caso distinto é o do acesso ao material de trabalho fornecido pelo Estado, como o computador pessoal. Mário Silveiro de Barros explica que, dependendo das práticas de cada instituição, o ex-adjunto de Galamba poderia ou não ter direito a aceder ao computador para dele retirar informação pessoal, como fotografias, por exemplo. Isto porque, se o Ministério proibisse explicitamente o uso de material de trabalho para práticas pessoais, Pinheiro não teria qualquer direito sobre elas. Seria o próprio Ministério, como são as entidades empregadoras, a tratar de apagar esse conteúdo.
Porém, e se esta conduta não fosse clara, a Comissão Nacional para a Proteção de Dados, na deliberação de 16 de julho de 2013 sobre os Princípios aplicáveis aos tratamentos de dados pessoais decorrentes do controlo da utilização para fins privados das tecnologias de comunicação no contexto laboral, defende que, em caso de cessação de um contrato/despedimento, o trabalhador tem um prazo até ao qual pode retirar do arquivo de correio eletrónico todo o conteúdo de foro pessoal que a ele pertença.
No que respeita ao conteúdo exclusivo da instituição, Frederico Pinheiro não poderia fazer-se dono “em qualquer circunstância”, já que “qualquer informação profissional que estivesse dentro do computador pertencia ao ministério onde ele trabalhava“. Só haveria, assim, lugar a “cópia” com estrita “autorização”.
Também ao Polígrafo, Frederico Assunção, advogado da Dantas Rodrigues & associados, especialista em direito do Trabalho, esclarece que “a exoneração, sendo verbal, produz efeito a partir daquele momento, embora o despacho só tenha sido publicado dias depois”. Ainda assim, “o facto de ter sido exonerado não significa que este não pudesse entrar no edifício“.
“Ele [Frederico Pinheiro] poderia ir ao serviço, naturalmente, como foi. O problema só surge quando ele tenta trazer o computador: aí sim, a partir do momento da exoneração, Frederico Pinheiro tinha que o entregar. Não o entregando, poderíamos estar perante outro tipo de ilícito, nomeadamente até um abuso de confiança“, esclarece o especialista.
Mais uma vez, Frederico Assunção assegura que a entrada no edifício não está em causa, apesar de o próprio João Galamba ter alegadamente impedido o ex-adjunto de circular no mesmo: “Embora o vínculo produza efeitos a partir daquela exoneração, o ministro não teria legitimidade de proibir a pessoa de entrar no edifico, até porque ele tinha lá, como sabemos, os seus bens pessoais.”
Rita Garcia Pereira é o terceiro sim para concluir, sem incertezas, que Frederico Pinheiro tinha mesmo acesso livre ao edifício. Mas, desta vez, a especialista em direito laboral levanta dúvidas sobre a validade do despedimento por telefonema: “Tem sido invocado que a lei dos gabinetes ministeriais permite o ato por via verbal, mas na verdade a lei nada diz sobre isso. Nada dizendo, aplicar-se-á o código de procedimentos administrativos, que determina que tem que seguir a forma escrita.”
Assim sendo, “não tendo seguido a forma escrita, temos outro problema que é: como é que Frederico Pinheiro é alegadamente proibido de entrar no edifício? Ele poderia ter sido proibido, sim, se tivesse sido exonerado pela forma escrita, numa primeira hipótese, ou, se havendo fundadas suspeitas, lhe tivesse tal sido comunicado por forma escrita, também. Não é por telefone, seguramente“.
Quanto ao computador, e admitindo que tivessem sido seguidos estes requisitos, o gabinete de João Galamba podia de facto ter ficado com ele, “não podendo, no entanto, aceder aos ficheiro de foro pessoal do ex-adjunto, sendo que este deveria ter tido acesso ao computador precisamente para retirar estes ficheiros”. Esta atividade poderia decorrer num período combinado com a entidade empregadora, esclarece Rita Garcia Pereira, e não necessariamente na noite do despedimento.
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Nota Editorial: Artigo atualizado às 14h30 de 19 de maio para acrescentar as declarações dos especialistas Frederico Assunção e Rita Garcia Pereira.
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Avaliação do Polígrafo:
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