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| - Rui Rio — “Na outra campanha [legislativas de 2019], a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.”
Catarina Martins — “Não disse, não.”
Foi uma troca de palavras curta, nos primeiros minutos do debate entre Rui Rio e Catarina Martins. A moderadora procurava saber qual a possibilidade de, depois do dia 30 de janeiro, PSD e Bloco de Esquerda se sentarem à mesma mesa para chegar a um entendimento sobre algumas áreas de intervenção política. Para isso, a jornalista Clara de Sousa recordou o momento em que, nas legislativas de 2019, a líder bloquista definiu o programa com que o Bloco se apresentava a essas eleições como “social-democrata” (foi numa entrevista ao Observador). Rio interrompeu para dizer que “o Bloco de Esquerda, não” era social-democrata. E depois atira a frase: “Na outra campanha, a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.” Mas foi isso que foi dito pela coordenadora do Bloco de Esquerda?
Entrevista a Catarina Martins: “O programa do Bloco é social-democrata”
O assunto foi abordado logo no início da entrevista que Catarina Martins deu ao Observador. Para contextualizar os termos em que a questão é levantada, e a forma como é respondida, recuperamos algumas passagens dessa entrevista. A primeira pergunta e resposta foram as seguintes:
O Bloco quer mudar a estrutura da economia e no seu programa escreve que as várias crises que vivemos têm um nome: capitalismo. O Bloco quer acabar com o capitalismo? Quer o quê no seu lugar? Qual é o plano do partido a longo prazo?
O Bloco de Esquerda é um partido socialista. Isso é claro. Quer uma economia absolutamente diferente em que não haja uma minoria detentora dos meios de produção e que, portanto, também se decida como é que a riqueza é distribuída, sempre em benefício de uma pequeníssima elite e com prejuízos da enorme maioria.
Catarina Martins é, depois, questionada sobre a pertinência daquele discurso em 2019, e responde: “Somos socialistas, queremos ultrapassar esta fase e sermos capazes de construir uma outra. No Bloco, não temos a ideia de que existe um regime perfeito algures à espera de ser copiado. Vamos construindo a história nos seus debates diferentes.” E acaba essa resposta defendendo que os efeitos da “desigualdade” estavam patentes naquilo que dizia ser uma “democracia minada” por trabalhadores precários que não teriam liberdade de intervenção política.
Terceira questão, e a resposta em que Catarina Martins classifica o programa do partido para aquelas legislativas:
E o Bloco acredita que pode mudar isso?
Os partidos também têm projetos para os tempos históricos que vivem. O Bloco de Esquerda tem proposta, apresenta um programa – às vezes, as pessoas ficam um pouco chocadas, mas eu acho importante dizê-lo — que é, na sua essência, um programa social-democrata.
E, nas palavras de Catarina Martins, aquele era um programa “social-democrata” no sentido em que “[corrigia] os excessos com controlo da economia, com Estado social, com mecanismos de igualdade” e que se enquadrava “num horizonte mais vasto de transformação da sociedade”. A líder do Bloco de Esquerda ainda acrescentou que “o horizonte de transformação é importante não só para a construção de maiorias sociais que sejam mais ambiciosas para uma nova estrutura da economia, como também para ter a ousadia de arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. E concluiu essa ideia ressalvando que “nem socialismo nem social-democracia, neste contexto da nossa conversa, tem a ver com os nomes de PS e PSD”.
Por outras palavras, Catarina Martins nunca diz, objetivamente, que “é social-democrata” — ao contrário, por exemplo, do que fez Marisa Matias, quando a candidata do Bloco de Esquerda às presidenciais de janeiro de 2021 se assumiu, palavra por palavra, desta forma: “Eu não tenho problema nenhum em dizer ‘eu sou uma social-democrata’. Sempre me assumi.”
Mas a declaração de Rui Rio não surge, como se viu, totalmente desprovida de contexto.
Na corrida às legislativas de 2019, a coordenadora do Bloco de Esquerda apresentou-se a votos com um programa a que a própria se referiu como sendo “social-democrata”. De acordo com a própria, tratava-se de uma decisão pragmática: num partido de matriz assumidamente “socialista”, e sempre tendo em conta um “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”, o Bloco de Esquerda considerava necessário “arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. Na prática, um passo de cada vez, rumo ao “socialismo”.
Há, portanto, um momento em que a líder do Bloco de Esquerda admite seguir uma política “social-democrata”, com um programa eleitoral mais distante do ideário bloquista, como forma de captar votos junto de algum eleitorado não-bloquista e, assim, reforçar a sua força política na Assembleia da República. Sempre com o “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”.
Conclusão
Não há um momento em que Catarina Martins se assuma como “social-democrata”. Tomada à letra, a declaração de Rui Rio não pode ser considerada factualmente rigorosa. Mas há uma base para as palavras do líder social-democrata — quando a própria coordenadora do Bloco de Esquerda assume que se apresenta a votos com um programa “social-democrata” que lhe pudesse dar margem (ou força política) para avançar com medidas imediatas no plano político.
De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ESTICADO
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