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| - O caso tem sido publicitado nas redes sociais, através de fotografias que mostram um cartaz de grandes dimensões, junto a um cruzamento, com a seguinte inscrição: “Alerta, aqui há trabalho precário. Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz paga remunerações abaixo do salário mínimo nacional“.
Imediatamente abaixo do texto são visíveis dois valores: à esquerda, 438,81 euros, a remuneração alegadamente paga pelo município; e, à direita, 665,00 euros, o salário mínimo nacional.
Posto isto, confirma-se que que a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, presidida pelo socialista José Calixto, paga remunerações abaixo do salário mínimo nacional?
A resposta é sim, mas não é certo que as remunerações em causa correspondam a salários que têm, de facto, um valor mínimo legal em todo o país. E apenas um tribunal poderá desfazer a dúvida em torno do vínculo na origem da polémica.
O Polígrafo contactou a autarquia de Reguengos de Monsaraz que, através do gabinete de comunicação, confirma a autenticidade do cartaz. No entanto, o município nega que sejam pagas remunerações nos moldes apresentados.
Por seu lado, José Correia, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional (STAL), uma das entidades que realizaram a instalação do outdoor, alega que estão em causa contratos de trabalho intitulados como “bolsas de ocupação de tempos livres”, uma forma “encapotada” de o município “beneficiar de mão-de-obra barata“.
O dirigente sindical diz que conseguiu identificar “pelo menos 18 trabalhadores que estão nesta situação. São todos assistentes operacionais, ou seja, auxiliares de ação educativa, cantoneiros de limpeza de edifícios e ruas, calceteiros e jardineiros. Trabalham ao lado de colegas com contratos de trabalho, fazem o mesmo horário e têm a mesma dependência hierárquica“.
O dirigente da STAL identificou “pelo menos 18 trabalhadores que estão nesta situação. São todos assistentes operacionais, ou seja, auxiliares de ação educativa, cantoneiros de limpeza de edifícios e ruas, calceteiros e jardineiros. Trabalham ao lado de colegas com contratos de trabalho, fazem o mesmo horário e têm a mesma dependência hierárquica”.
Mais, garante que “em vez dos 665 euros, que é o salário mínimo nacional, a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz paga 438,81 euros, sem direito a Férias pagas, sem direito a descontos para a Segurança Social ou uma indemnização por cessação do contrato a termo”.
O Polígrafo teve acesso a dois dos contratos no centro da polémica, ambos celebrados no dia 22 de junho de 2020, com a duração de seis meses. Os documentos nunca se referenciam como contratos de trabalho, mas intitulam-se como contratos de “Ocupação de Tempos Livres“. Além disso, prevêem o pagamento de uma quantia de 438,81 euros e são celebrados “no âmbito do regulamento de atribuição do Cartão Social do Munícipe”.
Na página da autarquia na Internet indica-se que o “Cartão Social do Munícipe” é um programa de apoio a habitantes do concelho em “situação de carência económica“. De acordo com a informação disponível, quem usufrui deste programa pode “beneficiar de uma bolsa de ocupação temporária“, o vínculo que aqui parece estar em causa.
No entanto, os contratos a que o Polígrafo teve acesso definem que, quem os assina, tem um horário de trabalho de sete horas, como todos os outros trabalhadores da Função Pública, o que indicia que podem, de facto, estar em causa contratos de trabalho encapotados e que resultam no pagamento de salários abaixo do salário mínimo nacional.
José Correia revela também ao Polígrafo que, apesar de terem sido celebrados em junho de 2020 com uma validade de seis meses, os contratos foram renovados por um novo período de seis meses: “Isto corresponde ao preenchimento de vagas existentes no município, em relação às quais a Câmara, obrigatoriamente, tinha de abrir concursos, nem que fosse a termo”. Em vez disso, o Executivo de José Calixto “preenche lacunas que tem, em termos de recursos humanos, com um contrato inventado que significa a exploração literal do trabalho e da situação de desemprego das pessoas”.
Contactada pelo Polígrafo, a advogada Rita Garcia Pereira, especializada em matérias relacionadas com o Direito do trabalho, faz uma avaliação do caso: “O que determina a existência, ou não, de um contrato de trabalho, e consequentemente a obrigatoriedade de um salário mínimo, não é o nome que é dado ao contrato formal que é celebrado entre as partes, mas a forma como é executada a atividade. Significa que, se aqueles trabalhadores abrangidos pela minuta do contrato em questão estiverem a desempenhar funções tal e qual como se fossem trabalhadores contratados pela dita Câmara, sim, existe um contrato de trabalho, ainda que a Câmara não o reconheça. E, como tal, a autarquia está a pagar um salário substancialmente inferior àquele que deveria ser pago“.
Porém, a advogada é cautelosa e ressavla que o esclarecimento da questão é mais complexo e demorado: “Um contrato de trabalho só será declarado como tal quando um tribunal o declarar. Não é por ser um trabalhador ou um sindicato a dizê-lo, tem de ser um tribunal a declarar”.
Em conclusão, é verdade que a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz paga – ou pelo menos pagou até dezembro do ano passado – remunerações abaixo do salário mínimo nacional. Contudo, não é certo que estas remunerações correspondam a um salário e a uma eventual infração da lei.
Para existir um salário, tem de existir um contrato de trabalho, e não é claro que a minuta assinada entre os munícipes e a Câmara possa ser classificada como um contrato de trabalho, mesmo que encapotado. O esclarecimento da dúvida terá, inevitavelmente, de ser feito por um tribunal. Nesse sentido, o STAL confirmou ao Polígrafo que já apresentou queixa junto da Inspeção-Geral das Finanças, órgão que fiscaliza as condições de relação jurídica de emprego nas entidades públicas.
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Avaliação do Polígrafo:
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