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| - Prints de uma nota da comunidade no X enganam ao afirmar que plataformas estrangeiras não são obrigadas a manter escritório no Brasil. Embora o Marco Civil da Internet não traga exigência explícita sobre o tema, ele estabelece que os provedores devem seguir a legislação local. Mesmo que haja opiniões divergentes, a jurisprudência indica que, para garantir o cumprimento da lei, a nomeação do representante legal é necessária.
Na tarde desta quarta-feira (26), a nota da comunidade já não estava mais disponível no post original do X, mas prints da publicação contavam com milhares de compartilhamentos na rede e circulavam também no WhatsApp, plataforma em que não é possível estimar o alcance dos posts (fale com a Fátima).
A jornalista afirmou que as redes sociais são obrigadas a ter escritório no Brasil e que isso está no Marco Civil da Internet. Ambas as afirmações são falsas.
Posts nas redes enganam ao afirmar que plataformas estrangeiras não são obrigadas a ter escritório no Brasil. Apesar de o tema ser alvo de debate entre juristas e não haver uma menção explícita nas leis sobre a exigência, a jurisprudência atual interpreta que a obrigatoriedade existe.
No ano passado, em decisão que suspendeu o X pelo descumprimento de determinações da Justiça brasileira, o STF (Supremo Tribunal Federal) definiu que plataformas estrangeiras devem ter representação no Brasil para cumprir dispositivos legais previstos em normas como o MCI (Marco Civil da Internet, lei nº 12.965/2014) e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados, lei nº 13.709/2018).
Proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, a decisão foi confirmada por unanimidade pela 1ª Turma do STF. Na prática, portanto, mesmo que não exista um dispositivo explícito nas leis sobre a obrigatoriedade, a jurisprudência traz essa exigência.
João Victor Archegas, pesquisador do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), lembra que o MCI não prevê a necessidade de representação, mas possui um dispositivo que pode “levar a uma eventual interpretação” sobre essa obrigatoriedade. Trata-se do artigo 11º do texto, que prevê que qualquer plataforma que ofereça serviços ao público brasileiro é obrigada a respeitar a legislação do país.
A regra se aplica mesmo no caso de empresas estrangeiras, bastando que o serviço do provedor tenha sido acessado por um terminal situado no Brasil. Ou seja, mesmo uma plataforma que não tem escritório no Brasil — como o Rumble — precisa oferecer no país serviços que respeitem as leis e determinações da Justiça brasileira.
A divergência no debate entre juristas se concentra, sobretudo, na forma como as autoridades podem obrigar as empresas estrangeiras a cumprir as leis do Brasil:
Havendo um representante legal, ele pode ser acionado diretamente pelo Judiciário brasileiro;
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Sem essa exigência, os juízes brasileiros acionam a empresa por meio do Judiciário do país onde ela está instalada, enviando uma carta rogatória.
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“Existem variações no entendimento, porque realmente não é algo consolidado, não é explícito”, explica Pedro de Perdigão Lana, advogado especializado em novas tecnologias.
Lana ressalta que o MCI não é a única norma que regula a operação das plataformas digitais, e a necessidade de nomeação de um representante legal é discutida também com base em outros dispositivos:
O art. 1.138 do Código Civil (lei nº 10.406/2002) diz que a sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Brasil “é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”;
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Já o artigo 61 da LGPD afirma que, para que a lei seja cumprida, a empresa estrangeira será notificada “na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil”.
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Nenhum desses artigos diz claramente que todas as empresas de internet precisam de um representante legal, o que abre espaço para debates no mundo jurídico.
“A regra geral é que empresas estrangeiras que operam no Brasil não são obrigadas a ter representantes legais no Brasil, só se elas forem empresas estrangeiras autorizadas a serem constituídas no Brasil, que são hipóteses muito raras”, analisa Bruno Teixeira, doutor em direito internacional pela USP, indicando que a maioria das empresas que obtêm a autorização formal de operação são companhias aéreas.
O advogado explica, porém, que muitas empresas estrangeiras acabam sendo obrigadas a indicar um representante legal “por força de questões tributárias”, para fins de transferência de lucro para o exterior, porque operam no Brasil por meio de subsidiárias controladas pela matriz.
Esse é o caso, por exemplo, da empresa estrangeira Facebook Miami, INC., que controla a subsidiária brasileira da Meta, registrada como Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. Além de a filial brasileira ter seu próprio CNPJ, a matriz que está no exterior também possui um representante legal.
O caminho da apuração
Aos Fatos entrevistou advogados para entender o conflito de interpretações da legislação. A reportagem também consultou o texto das leis e a decisão do STF no caso do X.
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