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| - Num artigo de 2014, intitulado ‘Disciplina vergonhosa’, Rui Tavares escrevia: ‘”Um deputado que vota contra a sua consciência, numa questão de direitos dos cidadãos, para não desagradar à direção partidária que fará as próximas listas de deputados é um deputado que subverte o espírito da democracia parlamentar. Pode ser um militante leal do partido, mas é um mau representante dos cidadãos‘. Era uma das bandeiras do Livre – a ideia de liberdade de consciência dos eleitos contra a interferência das direções dos partidos (uma posição em que nunca me revi, mas não vem ao caso)”, escreveu Paes Mamede, na publicação em causa.
“Hoje a direção do Livre criticou publicamente a sua deputada por tomar uma posição desalinhada com a direção do partido a que pertence. Pelos vistos, para o Livre a defesa da liberdade de consciência dos eleitos e da indisciplina de voto só se aplica aos outros“, rematou.
É verdade que Rui Tavares escreveu em 2014 que um deputado que vota “para não desagradar à direção partidária” é um “mau representante dos cidadãos”?
Sim. No referido artigo de opinião (publicado no jornal “Público”, edição de 20 de janeiro de 2014), Rui Tavares criticou a aprovação na Assembleia da República de uma proposta de referendo à co-adopção e adopção plena por casais homossexuais, no dia 17 de janeiro de 2014, sublinhando que “os deputados que votaram contra a sua consciência fizeram-no apenas para manter um lugar nas listas de deputados. É uma evidência desagradável, mas uma evidência. E, ao fazê-lo, foram maus deputados. Um deputado que vota contra a sua consciência, numa questão de direitos dos cidadãos, para não desagradar à direção partidária que fará as próximas listas de deputados é um deputado que subverte o espírito da democracia parlamentar. Pode ser um militante leal do partido, mas é um mau representante dos cidadãos“.
“É deplorável que em Portugal ainda tenhamos de explicar, a cada vez, que a disciplina de voto não só não é necessária ao bom funcionamento de um Parlamento nem requerida por lei como é antitética do parlamentarismo e contrária ao espírito da Constituição, que no seu artigo 155.º determina que os deputados exercem livremente o seu mandato“, acrescentou Rui Tavares, no mesmo artigo.
“Em Portugal, esta cultura de liberdade não existe: da esquerda à direita, os 230 deputados votam como lhes diz a direção da bancada. É preciso então dizê-lo claramente: um deputado que admite dar mais peso à escolha do seu nome para a próxima lista do que aos direitos dos cidadãos que representa não está a fazer nada no Parlamento. Não venham dizer que o sistema os obriga a votar contra a sua consciência. Ninguém está obrigado a ter medo de perder o lugar na lista. É esse medo que faz dos representantes meros funcionários e que deixa a democracia portuguesa subdesenvolvida”, argumentou.
Para depois concluir da seguinte forma: “E esta não é uma questão de sistema eleitoral, mas de cultura parlamentar e democrática. Enquanto os cidadãos não demonstrarem que exigem essa cultura parlamentar e democrática aos seus partidos, estes continuarão a asfixiar o parlamentarismo e acabarão por se esvaziar a si mesmos”.
Em suma, é verdade que Rui Tavares defendeu que um deputado que vota “para não desagradar à direção partidária” é um “mau deputado” e um “mau representante dos cidadãos”. Mas há dúvidas quanto ao exato paralelismo entre as duas situações – a proposta de referendo em 2014 e o voto de condenação em 2019 -, que têm graus distintos de importância ou efeitos práticos.
No entanto, a justificação entretanto comunicada pela deputada Joacine Katar Moreira – “Decidi abster-me por prudência, acreditando estar a defender a posição do partido, não a minha” – torna claro que, de facto, votou contra a sua consciência (ou pelo menos não votou totalmente de acordo com a sua consciência) para não desagradar ou assumir uma posição desalinhada relativamente à direção do partido Livre – da qual Rui Tavares, importa salientar, não faz parte.
E assim se dissipam as dúvidas quanto à validade do enquadramento desta situação de 2019 no mesmo plano de análise do supracitado artigo de opinião publicado em 2014, ainda que referente a uma situação distinta.
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Avaliação do Polígrafo:
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