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| - “Eu fui ao Brasil cumprir apenas as minhas obrigações académicas. Inscrevi-me num doutoramento na Universidade de São Paulo e foi para isso que viajei. E escrevo numa revista brasileira. Para nada mais do que isso. Também tenho muitos amigos no Brasil. Agora não estou a fazer política no Brasil, não participo em campanhas nenhumas”, começou por afirmar José Sócrates na entrevista à SIC.
O antigo primeiro ministro acusou a justiça portuguesa de “abuso” por exigir informações sobre as viagens que tem feito ao Brasil e argumentou que não tem o dever de as comunicar. “Esse é o ponto. Eu não tenho Termo de Identidade e Residência (TIR) neste processo“, acrescentando que “se a juíza [Margarida Alves] pediu é porque não o tinha”. E “se não o tinha não me pode obrigar nem pode ir perguntar à polícia por onde eu andei ou deixei de andar. É apenas um abuso”.
Sócrates garantiu, no entanto, que não teria qualquer problema em responder a todas as perguntas do tribunal se elas fossem feitas com bons modos. “Quando me pedem com bons modos eu respondo. Quando me perguntam como se fosse um Estado policial eu reajo mal a isso”, disse. Sócrates acrescentou ainda que também em relação ao processo principal – o chamado “Processo Marquês” – não tem de prestar informações sobre as suas saídas do país porque, afirmou, o TIR “extinguiu-se”, uma vez que, sublinhou, “quando é tomada a decisão instrutora e não é ninguém pronunciado” é isso que está previsto no Código Penal.
Em declarações ao Polígrafo, o advogado Paulo Saragoça da Matta começa por explicar que o TIR “é a primeira medida de coação nos termos legais a que é sujeito todo e qualquer arguido em qualquer circunstância. Logo, em cada processo em que alguém seja arguido há um TIR. Se temos um processo em que há TIR e outro em que não há mas já houve constituição de arguido, só pode ser por lapso”.
Tal como se pode ler no Artigo 196.º do Código de Processo Penal, acrescenta o advogado, “havendo TIR, a pessoa fica obrigada a não se ausentar por mais de cinco dias do domicílio que indicou no TIR sem informar o processo em que o TIR foi prestado da ausência e do local onde possa ser encontrado”.
Paulo Saragoça da Matta: “Mesmo que haja dois processos em que o antigo primeiro-ministro seja arguido e só num exista TIR, não se podia ter ausentado sem ter informado o processo, tinha o dever de comunicar porque sabe que é obrigado a isso”.
Assim, continua Saragoça da Matta, “mesmo que haja dois processos em que o antigo primeiro-ministro seja arguido e só num exista TIR – o que será raro porque a partir do momento em que se é arguido, há TIR, é automático – havendo um TIR não se podia ter ausentado sem ter informado o processo, tinha o dever de comunicar porque sabe que é obrigado a isso“. Quanto ao argumento de José Sócrates sobre o processo principal, o conhecido advogado não tem dúvidas de que carece de fundamento: “O TIR só se extingue quando o processo transita em julgado.” Mais: ao contrário do que Sócrates afirmou, o ex- primeiro-ministro foi mesmo pronunciado pela prática de três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documento.
Na SIC, após a entrevista e num espaço de comentário, o advogado Paulo Sá Cunha também explicou que “é muito frequente haver separações de processos em que há constituições de arguido na fase de inquérito (embora possa não ser sempre assim) e ao serem constituídas arguidas são necessariamente sujeitas a TIR. Depois há situações que não são tão frequentes, em que alguém pode ser arguido por efeito direto da lei, que é quando há um arquivamento e um requerimento de abertura de instrução por parte dos assistentes. Isso pode acontecer, mas também nesse caso as pessoas são chamadas ao processo para prestar o TIR”.
Quanto ao argumento de José Sócrates sobre o processo principal, o Saragoça da Matta não tem dúvidas de que carece de fundamento: “O TIR só se extingue quando o processo transita em julgado.” Mais: ao contrário do que Sócrates afirmou, o ex- primeiro-ministro foi mesmo pronunciado pela prática de três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documento.
Contudo, reforçou Sá Cunha, “o que sucede é que quando há separação dos processos, e neste caso houve na sequência duma decisão instrutória, de pronúncia, a condição de arguido mantém-se no processo separado porque não pode deixar de ser de outra maneira. A decisão de pronúncia é uma decisão que remete determinados factos para julgamento e esses factos são imputados aos arguidos que depois deles se vão defender em julgamento”.
De sublinhar que a própria defesa de José Sócrates tem prestado declarações contraditórias sobre esta matéria. A 31 de maio, o advogado de José Sócrates, Pedro Delille, argumentou na resposta ao requerimento do Ministério Público (MP) que o antigo governante “não tinha, nem tem obrigação alguma de comunicar e, muito menos, de prestar a tribunal ou a processo algum (…) qualquer tipo de informação relativamente a tais deslocações, pois a única medida de coação a que está sujeito é o TIR e tal medida não envolve nenhuma restrição à liberdade ou ao património dos arguidos”.
Mas a 9 de junho, o mesmo Pedro Delille afirmou que “nunca o requerente foi constituído arguido ou prestou Termo de Identidade e Residência neste processo”, invocando, nesse sentido, que não houve separação de processos em relação à Operação Marquês que “permitisse a prorrogação de competência e dos efeitos de constituição de arguido (…) e do TIR ali prestado”.
Nota editorial: este texto foi atualizado às 20h08 do dia 16 de junho com a clarificação do título e a introdução de uma nova declaração do advogado Paulo Saragoça da Matta sobre a condição de arguido de José Sócrates. A avaliação não sofreu alterações.
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Avaliação do Polígrafo:
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