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| - Quando nos dizem que o facto de nos esquecermos das chaves, ou de um aniversário de um amigo, ou até de um nome de uma pessoa que conhecemos significa que somos mais inteligentes do que os outros, decerto que queremos partilhar isso com todos os nossos amigos e familiares. O problema é que a informação é falsa e já se tornou viral.
Existem vários artigos publicados na Internet que garantem que os neurocientistas descobriram uma relação entre a falta de memória e a inteligência. Pode encontrar um desses artigos na página Healthy Food House, publicado em março de 2019 – e que foi, entretanto, eliminado -, o qual cita um outro texto publicado na Global Remedy House (também já foi apagado) que tem como base a página Auxx.me, com um artigo datado de dezembro de 2018 e que cita a CNN. Em março de 2018, a CNN publicou um artigo sobre a investigação de Blake A. Richards e Paul Frankland com o título “Esquecimento? Pode ser na verdade um sinal de que é mais esperto, diz estudo”.
No entanto, ao longo da corrente de publicações, a informação foi tornando-se cada vez mais exagerada. Enquanto o artigo da CNN afirmava “esquecer coisas não é apenas normal, faz-nos mais espertos”, o texto da Healthy Food House garantia que “segundo cientistas, a falta de memória é um sinal de maior inteligência”.
Na verdade, na base da notícia da CNN (e subsequentes) está um artigo científico elaborado por Blake A. Richards e Paul Frankland, publicado na revista científica Neuven em abril de 2017. Na investigação, os autores defendem que existe uma “interação entre persistência [memória] e transitoriedade [esquecimento] que permite tomar decisões inteligentes em ambientes dinâmicos e ruidosos”.
Os cientistas defendem ainda que “a transitoriedade permite flexibilidade ao reduzir a influência de informação ultrapassada na tomada de decisões dirigida pela memória, evitando que os eventos específicos passados sejam overfitting [termo usado na área das estatísticas para ilustrar quando uma determinada análise é demasiado parecida ou igual a um determinado conjunto de dados, o que faz com que haja uma falha a adicionar novas informações], promovendo assim a generalização”.
A informação foi tornando-se cada vez mais exagerada. Enquanto o artigo da CNN afirmava “esquecer coisas não é apenas normal, faz-nos mais espertos”, o texto da Healthy Food House garantia que “segundo cientistas, a falta de memória é um sinal de maior inteligência”.
Ou seja, não existe uma relação direta entre a falta de memória e a inteligência extraordinária, como indicam a maior parte dos artigos referidos. Existe, sim, um mecanismo cerebral que permite otimizar o processo de tomada de decisão, eliminando pequenos pormenores da memória.
“Segundo esta perspetiva, o objetivo da memória não é transmitir informação ao longo do tempo, per se. Em vez disso, o objetivo da memória é otimizar a tomada de decisões. Assim, a transitoriedade é tão importante como a persistência nos sistemas mnemónicos”, concluem Richards e Frankland.
Avaliação do Polígrafo:
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