schema:text
| - “Um retrato revoltante do Mundial da Vergonha, que ainda não começou nas tv’s mas já acabou para milhares de trabalhadores“, escreveu esta segunda-feira, 14 de novembro, o ex-deputado bloquista Luís Monteiro. Em publicação no Twitter partilhou também um gráfico em que se comparam os números de mortes de trabalhadores no Mundial do Qatar com as que ocorreram nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, ou de Sóchi (formato de Inverno), em 2014, entre outras competições desportivas das últimas décadas.
[twitter url=”https://twitter.com/LuisVPMonteiro/status/1592099926250782721″/]
O gráfico que vemos no tweet é autêntico e foi publicado pela primeira vez em maio de 2015 pelo jornal norte-americano “The Washington Post“. Em junho do mesmo ano, porém, o jornal atualizou o artigo que contabilizava 1.200 mortes no Qatar desde 2010, no âmbito da construção dos estádios (e outras instalações) do Mundial de Futebol agendado para 2022. A previsão, já na altura, apontava para a morte de quatro mil trabalhadores até 2022, mas a realidade veio a comprovar um (ainda) maior número de fatalidades.
A atualização não pôs em causa os números divulgados no gráfico, mas sim a sua origem: “Uma versão mais antiga desta peça e respetivo gráfico criava a impressão de que mais de mil trabalhadores migrantes tinham morrido no Qatar durante a preparação para o Mundial de 2022. O artigo, porém, devia ter deixado mais claro que os números envolvem todas as mortes de migrantes no Qatar durante esse período.”
Esta retificação seguiu-se a uma reclamação do Governo do Qatar, que alegava que menos de mil trabalhadores imigrantes provenientes da Índia, do Nepal e do Bangladesh tinham morrido entre 2012 e 2013 e que as mortes estavam relacionadas com velhice, doenças, derrames, ataques cardíacos, suicídios, acidentes rodoviários e outros acidentes. Nenhuma morte teria ocorrido por causa da construção das infra-estruturas para o campeonato mundial de futebol.
Salto para fevereiro de 2021, quando o jornal britânico “The Guardian” revelou que mais de 6.500 trabalhadores da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka morreram durante a preparação para o Mundial do Qatar em 2022. De acordo com o jornal britânico, que utilizou fontes governamentais para o cálculo, registou-se uma média de 12 trabalhadores migrantes falecidos por semana desde dezembro de 2010.
“Dados da Índia, Bangladesh, Nepal e Sri Lanka revelaram que houve 5.927 mortes de trabalhadores migrantes no período 2011-2020. Separadamente, dados da embaixada do Paquistão no Qatar relataram mais 824 mortes de trabalhadores paquistaneses, entre 2010 e 2020″, informou o jornal. Entre as infra-estruturas construídas nos últimos 10 anos estão sete novos estádios, um novo aeroporto, estradas, sistemas de transportes públicos, hotéis e uma nova cidade (erguida de raiz) que vai servir de sede para a final do Mundial de Futebol.
É um facto que os óbitos contabilizados pelo “The Guardian” não são discriminados por ocupação ou local de trabalho, mas Nick McGeehan, diretor da “FairSquare Projects”, uma organização não-governamental especializada em direitos dos trabalhadores no Golfo Pérsico, afirmou ao jornal que “uma proporção muito significativa dos trabalhadores migrantes que morreram desde 2011 estava no país apenas porque o Qatar ganhou o direito de receber o Mundial de futebol”.
Quanto aos outros eventos desportivos, o jornal “The Washington Post” acabou por retirá-los da equação aquando da atualização do artigo. Dados consultados pelo Polígrafo mostram que nos Jogos Olímpicos de Londres (2012), por exemplo, não houve registo de mortes, sendo este o evento olímpico mais seguro dos últimos anos.
De acordo com um estudo da “Rhino Safety” verificaram-se “116 mortes relacionadas com construções de infra-estruturas nos Jogos Olímpicos nos últimos 30 anos”. Destas, pelo menos 70 terão sido foram registadas durante a construção dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sóchi, na Rússia.
O mesmo estudo aponta para 14 mortes nos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas (Grécia), e para 11 mortes nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro (Brasil). Além desses, Pequim e Pyongyang também registaram 10 e três fatalidades, respetivamente, nos anos de 2008 e 2018.
Em suma, a ideia transmitida pelo gráfico tem fundamento. Porém, os números estão descontextualizados, além de algumas estatísticas terem sido excluídas do artigo original do “The Washington Post”, como o número de mortes noutros eventos desportivos.
Esta quinta-feira, a três dias do arranque oficial do Mundial da FIFA, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que “o Qatar não respeita os direitos humanos”. Mas essa informação parece não ser relevante para Rebelo de Sousa questionar a sua presença nos estádios.
“O Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal…, mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa. Começámos muito bem e terminámos em cheio”, disse aos jornalistas Marcelo Rebelo de Sousa.
_________________________
Avaliação do Polígrafo:
|