schema:text
| - No dia 2 de Outubro de 2014. Paulo Lalanda e Castro, presidente da multinacional Octofarma e na altura patrão do ex-primeiro-ministro José Sócrates, telefonou ao seu funcionário mais famoso. Queria contar-lhe, entre risos, uma história que lhe tinham contado a ele. A ouvir conversa estava o Ministério Público português, que já então investigava as duas figuras – José Sócrates seria detido cerca de dois meses depois. A transcrição que o MP fez do telefonema é muito clara:
“Paulo Castro diz que quer contar uma coisa hilariante… apanhou o susto da vida, diz que recebeu um telefonema esquisitíssimo do Brasil a dizer que um ex-primeiro-ministro de Portugal e dois brasileiros, um deles ministro do Brasil (Temporão), tinham estado a jantar no Fasano, no Rio de Janeiro, e saíram sem pagar a conta (…) Paulo Castro brinca, a dizer que pensava que era a imprensa… pensava que era o Correio da Manhã. José [Sócrates] Pinto de Sousa diz que foi convidado pelo Temporão, e que achou que estava pago. Paulo diz que não… José Pinto de Sousa pergunta se já está pago e Paulo Castro confirma, mas diz que nem sabem como chegaram a ele… diz que era o dono do Fasano a dizer que não pagaram a conta… comentam que Temporão é um artista“.
Esta escuta, revelada pelo jornal Correio da Manhã em Julho de 2017, consta do Processo Marquês e foi partilhada milhares de vezes nas redes sociais desde então. De cada vez que há um desenvolvimento no processo ou que acontece algo de relevante com figuras ligadas a José Sócrates ou à Operação Marquês, as partilhas recomeçam – e a discussão online sobre a culpabilidade ou não do antigo líder do Partido Socialista regressa, trazendo com ela todas as dúvidas que um processo tão complexo carrega consigo desde o início.
Desta vez, o elemento “detonador” foi a prisão de Armando Vara, amigo do antigo primeiro-ministro. O ex-ministro socialista vai cumprir pena de prisão no âmbito de outro processo – o Face Oculta – mas também está acusado no Marquês da prática de dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada. Vários leitores do Polígrafo utilizaram a linha do jornal no WhatsApp (968213823) para esclarecer se é ou não verdade que Sócrates saiu de um dos restaurantes mais luxuosos do Brasil sem pagar – ele que até costumava “pagar todas as contas em dinheiro vivo”, como notou um dos leitores descrentes da veracidade da história.
A resposta é sim. O ex-preso nº44 do Estabelecimento Prisional de Évora encontrava-se no Brasil em trabalho. A Octafarma, empresa que comercializa plasma sanguíneo e hemoderivados, e que contratara o ex-primeiro-ministro para representar os seus interesses na América do Sul, tinha um interesse estratégico no milionário mercado brasileiro e Sócrates, que tinha linha aberta para falar com os principais “decision makers” do país de Pelé (a sua amizade com Lula da Silva é conhecida), era considerado uma enorme mais-valia para viabilizar negócios que valiam milhões. Pagar-lhe um salário mensal de 12 mil euros seria, por isso, um investimento com grande potencial de retorno.
Na mente de Lalanda e Castro estava, como contou o jornal Observador, a construção de uma parceria comercial com a Hemobrás, uma empresa pública tutelada pelo Ministério da Saúde brasileiro que tem como objeto a redução da dependência externa do Brasil ao nível dos derivados do sangue. Existiam rumores de que um protocolo que a Octofarma celebrara em 2011 com o instituto público Butatan poderia não ser cumprido – e que a Octofarma corria o risco de ser substituída como fornecedora, o que seria altamente prejudicial para as suas contas.
Para controlar a crise, Sócrates promoveu encontros com vários responsáveis políticos brasileiros. Entre eles estavam o ministro da Saúde, Artur Chiori, e José Temporão, um dos antecessores de Chiori no cargo. Foi com este último que se registou o “incidente” no hotel Fasano.
No telefonema entre Sócrates e Lalanda não fica claro quem, afinal, pagou a conta.
Avaliação do Polígrafo:
|