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| - “André Ventura é um condenado com trânsito em julgado por racismo. É, aliás, a primeira vez que temos alguém a candidatar-se a eleições em 40 anos de democracia nesta situação”. Foi assim que Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, introduziu o caso das ofensas à família Coxi no debate de ontem à noite frente a André Ventura, na SIC Notícias.
“É falso“, retorquiu desde logo o líder do Chega. Mas a líder dos bloquistas prosseguiu: “Eu sei que se orgulha da condenação do Supremo Tribunal que diz que as suas declarações são racistas, mas o racismo e a política de humilhar as pessoas é profundamente errada e eu levantar-me-ei contra essa política todos os dias”.
Martins referia-se ao caso da família Coxi, residente no Bairro da Jamaica, Seixal, que interpôs um processo cível em que pediu a condenação de André Ventura e do partido Chega por ofensas ao direito à honra e ao direito de imagem.
Na origem desse processo esteve o facto de Ventura – no contexto da campanha para as eleições presidenciais de janeiro de 2021 – ter mostrado uma fotografia em que vários membros da família Coxi aparecem ao lado do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, descrevendo-os como “bandidos” e “bandidagem“. A fotografia e as ofensas também foram reproduzidas em publicações na página do Chega no Twitter, daí a extensão do processo ao partido e não apenas ao líder.
Segundo o requerimento da família Coxi, estas ofensas foram agravadas por corresponderem a uma “discriminação em função da cor da pele e da posição socioeconómica“.
Em maio de 2021, de facto, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa condenou Ventura por ofensas ilícitas à família Coxi, mas na parte final da decisão incluiu menção expressa à ilicitude e não ao cariz discriminatório das declarações do líder do Chega.
Nessa sentença (à qual o Polígrafo teve acesso), porém, há um reconhecimento do cariz discriminatório das declarações, embora o juiz entenda que “não é o aspecto mais relevante do processo”, sublinhando: “O que é essencial é o carácter ilícito das declarações com referência à fotografia dos Autores que foi exibida e a ofensa aos direitos de personalidade destes e é isso que importa reconhecer”.
Conhecida a sentença, Ventura e o Chega decidiram recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando uma omissão de pronúncia, uma vez que entendiam que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa deveria ter expressamente reconhecido que não existiu qualquer discriminação. No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa não deu razão ao líder do Chega.
Na segunda instância, o Tribunal da Relação de Lisboa concordou com a decisão da primeira instância e tornou mais claro o reconhecimento expresso do cariz discriminatório das ofensas: “Aceita-se a opção assumida pelo tribunal a quo na medida em que as imputadas, e reconhecidas, ofensas à honra e ao direito de imagem dos autores, por um lado, absorvem a vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores e, por outro, tal autonomização não é essencial para efeitos de subsunção jurídica”, pode ler-se no acórdão (consultado pelo Polígrafo).
Por fim, também o Supremo Tribunal de Justiça analisou o recurso de Ventura e do Chega quanto a esta matéria e decidiu indeferir, neste âmbito por falta de requisitos processuais para o apreciar.
Em suma, confirma-se que Ventura foi condenado com trânsito em julgado por ofensas ao direito à honra e ao direito de imagem de vários elementos da família Coxi. Ofensas que os tribunais reconheceram como tendo cariz discriminatório em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos queixosos.
No entanto, ao dizer simplesmente que Ventura foi condenado “por racismo”, Martins não está a ser rigorosa e, do ponto de vista estritamente jurídico, essa afirmação isolada não pode ser classificada como verdadeira. Tendo em conta o reconhecimento pelos tribunais do cariz discriminatório das declarações em causa de Ventura, além de uma leitura mais lata (e não estritamente jurídica) das decisões dos tribunais e das palavras de Martins, optamos por classificar a frase sob análise como imprecisa.
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Avaliação do Polígrafo:
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