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| - “Mas o progresso trouxe-nos a era dos peritos, dos gabinetes de estudo, dos pareceres, das comissões de inquérito, dos financiamentos e dos mil projetos sem qualquer utilidade”, acrescenta-se no texto da publicação, datada de 24 de julho.
O confronto entre este novo modelo e uma suposta queda abrupta do número de meios humanos disponíveis para atuar na prevenção é, no entanto, pouco claro, tendo em conta a inexistência de fontes para as alegações proferidas.
O Polígrafo questionou o Ministério da Administração Interna (MAI) sobre esta matéria, o qual sublinhou que, ao contrário do que se alega na publicação em causa, não existiram 4.000 guardas-florestais em Portugal, desde logo por causa do número de casas de guarda indicado no texto.
“Tomando como referência as 940 casas de guarda referidas, que incluía as existentes nos Açores e Madeira, os guardas-florestais estavam legalmente obrigados a habitá-las até 1974 – pelo que, correspondendo cada habitação a um guarda-florestal, não poderiam existir os referidos 4.000 [guardas-florestais]”, informa fonte oficial do MAI, em resposta ao Polígrafo.
Uma pesquisa por estes valores leva-nos até ao quadro sistemático do Regulamento para a Execução do Regime Florestal conforme o decreto de 24 de dezembro de 1901, que aprovou a criação formal de um corpo de guardas-florestais e, por conseguinte, a organização dos serviços agrícolas e dos quadros do pessoal técnico dos mesmos serviços. Neste quadro é publicada a lei n.º 1971, de 15 de junho de 1938 – “Lei do povoamento florestal” – que sujeitou especificamente determinados baldios ao regime florestal.
O mapa n.º 7 anexo ao diploma, estabelecendo o “Plano de arborização por quinquénios – 1939 a 1968”, dos baldios a norte do Tejo (serras), previa a construção de um total de 940 casas de guarda nos quatro primeiros intervalos de cinco anos, de 140 casas de vigia e ainda a admissão de 877 guardas, pertencentes ao pessoal técnico dos quadros em que estão também incluídos 28 administradores e 120 mestres.
De resto, “o número máximo de mestres e guardas-florestais por ano nunca atingiu os 1.500 efetivos: a lei orgânica da Direção-Geral das Florestas aprovada em 1986 previa um máximo de 1.477 lugares“, esclarece fonte oficial do MAI, “conforme dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)”.
Este limite máximo vigorou assim desde 1986 até 2006, quando José Sócrates e António Costa, então primeiro-ministro e ministro da Administração Interna, respetivamente, assinaram o Decreto-Lei n.º 22/2006 que “consagra, no âmbito da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) e cria o Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), transferindo para aquela força de segurança o pessoal do Corpo de Guardas Florestais da Direcção-Geral dos Recursos Florestais”.
É nos pontos 1 e 2 do artigo 5.º que encontramos determinada a extinção, “na Direção-Geral dos Recursos Florestais /DGRF)”, do Corpo Nacional da Guarda Florestal, tendo o pessoal da carreira de guardas-florestais da DGRF transitado “para o quadro de pessoal civil da GNR, com a categoria, antiguidade e índice remuneratório que atualmente possui”, lê-se no documento.
Na resposta ao Polígrafo, o MAI explica que “o número de guardas e mestres florestais transferidos para a GNR foi de 453 elementos” e que a criação dos lugares de guarda-florestal na GNR, nesse mesmo decreto, “previa a sua extinção progressiva, acompanhando a passagem à reforma desses elementos”.
Essa opção só viria a ser invertida pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, em 2018, através do Decreto-Lei 114/2018, ao determinar a criação da carreira de guarda-florestal no quadro de pessoal civil da GNR, “o que permitiu aumentar, em 53%, o número de mestres e guardas-florestais entre 2019 e 2020 (de 284 para 434)”, salienta o MAI.
“Este número continuará a crescer nos próximos anos, uma vez que o Plano Plurianual de Admissões nas Forças e Serviços de Segurança 2020-2023 prevê também a admissão de guardas-florestais na GNR, permitindo assim o reforço desse quadro de pessoal“, conclui.
Outra informação relevante prende-se com o número de postos de vigia dos incêndios, tendo aumentado ao longo do século XX. Dados fornecidos pelo MAI mostram que eram 47 postos em 1961 e que, em 1979, quando havia 71 postos, “muitos deles eram já guarnecidos por vigias contratados para o chamado período crítico e não por elementos dos Serviços Florestais. A grande expansão dos postos de vigia ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, mas o seu número nunca chegou às três centenas: 237 no ano 2000, 242 em 2005 (ano anterior à transferência dos Guardas Florestais para a GNR) e 230 em 2020”.
Como tal, é falso que as florestas portuguesas tenham sido “patrulhadas por cerca de 4.000 guardas-florestais, distribuídos por 940 casas de guarda e 140 postos de vigia”. Estes dois últimos números, aliás, fazem parte de um plano de povoamento florestal de 1939, não tendo sido estabelecida qualquer relação com o número de guardas-florestais apontado no texto. O número previsto na lei é, aliás, bastante inferior: apenas 877 guardas-florestais.
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Avaliação do Polígrafo:
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