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| - “Apenas um lembrete de que a maioria das pessoas com 40 anos atualmente levou menos vacinas em toda a sua vida do que a maioria dos bebés de seis meses este ano”, realça-se num post de 16 de agosto no Facebook (tradução livre a partir do original em língua inglesa), partilhado viralmente nos Estados Unidos da América (EUA) e entretanto adaptado para outros países e línguas nas redes sociais.
Tem origem na página de uma “astróloga” e “curadora intuitiva profissional” norte-americana, recheada de propaganda anti-vacinas e comércio de “curas alternativas“. A ideia subjacente é que as vacinas serão nocivas para o sistema imunitário, ainda que a esperança média de vida desde 1980 tenha aumentado quase 10 anos (tanto nos EUA como em Portugal), além da erradicação de várias doenças.
No que respeita aos EUA, a “Lead Stories“, plataforma de verificação de factos, analisou este conteúdo à luz das recomendações de vacinação em vigor naquele país. Ora, segundo o Cronograma de Imunização Infantil e Adolescente dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, contam-se 16 vacinas recomendadas para crianças durante os primeiros seis meses de vida. No caso de serem adicionadas as vacinas contra a Covid-19 e a gripe, o número de inoculações nessa idade aumenta para 18. Ou seja, cerca do dobro do que estava disponível e era recomendado no início da década de 1980, de acordo com a informação disponibilizada pelo Hospital Pediátrico de Filadélfia.
Além disso, o número de injeções adicionais que um adulto norte-americano terá ao longo da sua vida depende da sua saúde geral e de eventuais fatores de risco adicionais. No Cronograma de Imunização para Adultos dos CDC, que inclui recomendações para pessoas com 19 anos ou mais de idade, estabelece-se que uma pessoa que nasceu no início dos anos 80 pode receber entre 10 a 80 vacinas adicionais até que complete os 40 anos, incluindo a vacinação anual contra a gripe, mas não contando com a vacinação desenvolvida recentemente contra a Covid-19.
Contactado pela “Lead Stories”, fonte do Centro Hospitalar Pediátrico de Cincinnati explicou que o facto de existirem várias vacinas combinadas atualmente torna esta comparação “complicada”. Mas garante que é certa a capacidade de “vacinar contra mais doenças infecciosas agora do que há 40 anos“, assim como a “menor incidência de doenças por causa disso”.
Evolução do plano de vacinação em Portugal
De acordo o Programa Nacional de Vacinação (PNV) em vigor, atualizado em 2020, a vacina contra o vírus que causa a hepatite B (VHB) é administrada à nascença, ainda na maternidade. Aos dois meses, o bebé recebe a segunda dose da mesma vacina, bem como a primeira dose de mais cinco vacinas, entre elas a que agrega a proteção contra a difteria, tétano e tosse convulsa. Acrescem as que garantem proteção contra vários tipos de meningite.
Quando o bebé completa quatro meses, recomenda-se a administração de mais cinco vacinas, as segundas doses daquelas que foram administradas dois meses antes. Aos seis meses, o processo repete-se e são administradas mais quatro vacinas, as terceiras doses das anteriores.
Ou seja, no total, uma criança portuguesa recebe 16 vacinas até aos seis meses de idade, entre as várias doses recomendadas.
Depois, entre os 12 meses e os 10 anos são recomendadas mais nove vacinas, entre elas a que protege contra o sarampo e a rubéola. As doses de reforço da vacina contra o tétano e a difteria estão incluídas no PNV aos 25, 45 e 65 anos de idade e, posteriormente, a cada 10 anos. Além disso, às grávidas é recomendada, em cada gravidez, uma dose única da vacina contra tétano, difteria e tosse convulsa.
Num artigo da autoria de Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, indica-se que o PNV teve início oficial em outubro de 1965, com a administração da vacina da poliomielite. “A esta seriam acrescentadas, em 1966, a tosse convulsa, a difteria, o tétano e a varíola. O sarampo (em 1974), a rubéola e a parotidite (em 1987) foram as vacinas seguintes a ser introduzidas no PNV”.
Ou seja, no início dos anos 80 estavam disponíveis em Portugal, através do PNV, seis vacinas, às quais foram adicionadas mais duas no final da década. Posteriormente, em 2006, foi adicionada ao PNV a vacina conjugada contra o meningococo-C e, em 2008, a vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV).
Comparação “disparatada” e ideia “completamente errada”
Contactado pelo Polígrafo, Manuel Carmo Gomes confirma que existe um evidente aumento do número de vacinas administradas a crianças até aos seis meses, desde os anos 80. No entanto, ressalva que a comparação feita entre as vacinas administradas atualmente a um bebé e as que recebeu um adulto de 40 anos durante toda a vida é “disparatada”.
“Um adulto, ao longo da sua vida, em menos de 40 anos, tem encontros com agentes infecciosos em número muito superior (na casa dos milhares) a essas 16 picas, que correspondem a encontros de antigénio com o nosso organismo”, afirma o epidemiologista.
“Pelo simples facto de vivermos, inspirarmos e contactarmos com pessoas estamos a ter encontros com agentes infecciosos que entram no nosso organismo e que se tentam multiplicar e dirigir-se aos órgãos do nosso sistema para os quais estão mais ‘vocacionados’, o que gera uma resposta do sistema imunitário“, esclarece Carmo Gomes, que remete para o facto de, na prática, estes “encontros” serem idênticos à toma de uma vacina. “Só que é uma vacina muito mais perigosa, porque estamos perante um microrganismo vivo, capaz de se multiplicar e de infetar“, alerta.
Carmo Gomes refere ainda que “a ideia de que o sistema imunitário tem uma capacidade limitada de receber vacinas, ou, dito de outra maneira, de receber desafios, é uma ideia completamente errada, já que os vamos encontrar de uma maneira ou de outra”. Nesse sentido, garante: “As pessoas só não teriam encontro com os microrganismos se vivessem numa redoma.”
De resto, informa que mesmo as pessoas que ultrapassaram a idade de tomar uma determinada vacina podem recuperar o programa de vacinação. Nestes casos, “o adulto pode ser vacinado, desde que não esteja a atravessar uma infecção, e até retomar o calendário vacinal desde o início“, sublinha Carmo Gomes, acrescentando que “pode não ser necessário fazer todas as doses, sendo que a recomendação é feita caso a caso, em função da idade“.
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Avaliação do Polígrafo:
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