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| - “Diziam que o gelo no Ártico iria desaparecer mas está no nível mais alto dos últimos oito anos. Lá se vai o aquecimento global do Gugu e da Greta. Felizmente a ciência vai desmascarando a propaganda política”, escreve o autor da publicação.
O post, de 11 de maio, remete para um texto no site electroverse.net, escrito em inglês, que alega que nunca houve tanto gelo no Ártico no mês de maio desde 2013. Além do texto, é possível consultar vários gráficos que aparentemente sustentam a informação.
Mas será que os dados estão a ser bem lidos?
Os dados apresentados são autênticos e foram divulgados originalmente pelo National Snow & Ice Data Center, uma entidade cientificamente reconhecida e relevante.
O Polígrafo contactou Francisco Ferreira, presidente da Associação Zero, que comprova os dados partilhados, mas é categórico ao afirmar que “o seu significado está completamente distorcido“.
“Não é por num período do ano ou mesmo no total de um ano que se pode inferir conclusões relativamente ao degelo ou às alterações climáticas. A análise tem de refletir períodos de tempo mais extensos, olhar para a tendência ou para a intensidade do desvio em relação à média (a anomalia)”, começa por clarificar.
Por outro lado, além da extensão de gelo, “a idade do gelo (parâmetro que não é analisado), é um elemento complementar relevante, dado que o que tem acontecido é que, para além da diminuição da extensão de gelo, a idade do gelo presente é cada vez menor”.
O ambientalista explica que o primeiro gráfico partilhado mostra uma situação dramática de diminuição de gelo no Ártico. “A banda a cinzento corresponde a duas vezes o desvio padrão em relação à mediana dos valores entre 1981 e 2010. Se não houvesse alterações climáticas, a extensão de gelo estaria, com 95% de probabilidade dentro dessa banda. Verifica-se que a área de Oceano com pelo menos 15% de gelo está precisamente no limite inferior, e no início de janeiro e no final de fevereiro, esteve abaixo, algo que tem uma probabilidade de 2,5% de acontecer mas que se verificou”, analisa Francisco Ferreira.
Já no segundo gráfico que em que o autor do post se baseia, é visível que durante alguns dias o valor de 2021 está acima dos outros anos escolhidos. “Porém, isso pouco diz porque, por exemplo, em 2020, no início de fevereiro, também a extensão de gele era das maiores (linha verde escura), mas depois a meio de setembro tivemos um recorde, para os anos em causa, de menor gelo no Ártico. O recorde mínimo foi no ano de 2012 que não é mostrado no gráfico”, adianta o presidente da Zero.
Mais ainda, acrescenta, “o gráfico é manipulado, porque se considerarmos os últimos 10 anos, o ano de 2021 nestes dias de maio não está entre os mais elevados“.
Francisco Ferreira nota ainda que o link partilhado pelo autor da publicação não mostra outros gráficos presentes no estudo original. “Na mesma fonte de dados, há gráficos que são muito mais relevantes e que mostram o que está a acontecer. Olhar isoladamente para a extensão de gelo no dia a dia tem pouco sentido porque a variabilidade meteorológica e entre anos é natural – o importante é a tendência de longo prazo que é a de um enorme decréscimo”, esclarece.
Em conclusão, para o presidente da associação ambientalista, do ponto de vista científico, “dizer que no dia em causa o gelo do Ártico ocupa a maior superfície dos últimos anos é verdade, mas tal não tem significado estatístico algum e deve-se a uma situação meteorológica particular que desde o início do ano não se verificou“.
“A inferência e as conclusões de que o aquecimento global não está a ter lugar está errada pela análise do total dos últimos anos (e não de apenas alguns dias), pela comparação de 2021 com a série estatística de valores das últimas décadas e principalmente pela tendência de longo prazo identificada”, conclui.
O Polígrafo consultou ainda o relatório “Estado do Clima Europeu” (ESOTC) de 2020, publicado pelo Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus (C3S), partilhado em 14 de maio de 2021. Pela primeira vez, o relatório ESOTC não analisou apenas as tendências e eventos climáticos da Europa e abrangeu também toda a região do Ártico, cujo clima pode ter um papel significativo no clima europeu.
Nas conclusões sobre o Ártico, os cientistas são claros: “O nível de aquecimento do Ártico em 2020 é um sinal climático fundamental à escala global. É um dos principais eventos do ano passado”. O Ártico foi a região com o maior desvio de temperatura de todo o mundo em 2020, com temperaturas 2,2 °C acima da média entre 1981 e 2010, em comparação com os 0,6 °C a nível global.
O estudo revela que o ártico siberiano foi particularmente atingido, com uma temperatura 4,3 °C acima da média em 2020, bateu os máximos de 2011 e 2016, quando a região registou temperaturas cerca de 2,5 °C acima da média. “Este aquecimento faz certamente parte de uma tendência em que o Ártico está a aquecer mais rapidamente do que o resto do mundo, pelo menos ao dobro ou triplo da velocidade“, segundo o cientista do Copernicus, Julien Nicolas, também coautor do relatório.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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