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| - “Uma em cada três pessoas com Covid-19 terá um diagnóstico neurológico ou psiquiátrico nos seis meses seguintes. Estes números ultrapassam os verificados com o vírus influenza e outras infeções respiratórias. O maior risco verificou-se em doentes com necessidade de hospitalização: medicina intensiva (46,4%) e encefalopatia (62,3%). O espetro de sequelas é amplo: acidente vascular cerebral, encefalite, psicose, ansiedade, perturbações de humor, perturbações aditivas e do sono, doenças neuromusculares e perturbações neurocognitivas”, indica-se num conjunto de imagens disseminadas nas redes sociais.
Os autores da publicação atribuem os dados a um estudo intitulado “Desfechos neurológicos e psiquiátricos de seis meses em 23.6379 sobreviventes de Covid-19: um estudo de coorte retrospetivo utilizando registos eletrónicos de saúde” [tradução livre].
Confirma-se?
Sim. Um novo estudo publicado no dia 6 de abril na revista científica “The Lancet Psychiatry” veio revelar que uma em cada três pessoas (33,6%) que recuperaram da Covid-19 receberam um diagnóstico de doença neurológica ou psiquiátrica até seis meses depois de contraírem a infeção.
O estudo envolveu 236.379 mil pessoas, sobretudo dos Estados Unidos, incluindo pacientes com mais de 10 anos de idade, que foram infetados com o coronavírus após 20 de janeiro de 2020 e estavam vivos a 13 de dezembro de 2020. O grupo foi comparado com 105 mil pacientes com diagnóstico de gripe e 236 mil com qualquer infeção do trato respiratório.
Uma em cada três pessoas (33,6%) que recuperaram da Covid-19 receberam um diagnóstico de doença neurológica ou psiquiátrica até seis meses depois de contraírem a infeção.
Os diagnósticos mais comuns foram a ansiedade (17%), perturbações de humor (14%) transtornos de uso indevido de substâncias (7%) e insónia (5%). A nível de diagnósticos neurológicos a incidência foi menor, mas não por isso menos significativa. Registaram-se acidentes vasculares cerebrais isquémicos (2%), hemorragias cerebrais (0,6%) e demência (0,7%). Para 13% dessas pessoas, foi o primeiro diagnóstico do género.
O maior risco de desenvolvimento destas doenças revelou-se superior em pacientes com Covid-19 que foram hospitalizados (38,72%), nos que foram admitidos em unidades de cuidados intensivos (46,4%) e nos que sofreram encefalopatia (62,3%) durante a infeção.
Paul Harrison, principal autor do estudo do Departamento de Psiquiatria de Oxford, no Reino Unido, afirmou que “estes são dados do mundo real e de um grande número de doentes. Confirmam que há taxas elevadas de diagnósticos psiquiátricos depois da Covid-19 e que transtornos graves também afetam o sistema nervoso” e apontou para a necessidade de os sistemas de saúde se prepararem para, no futuro, lidarem com estes diagnósticos.
“Embora os riscos individuais para a maioria dos distúrbios sejam pequenos, o efeito em toda a população pode ser substancial para os sistemas de saúde e assistência social devido à escala da pandemia e ao facto de muitas dessas condições serem crónicas. Como resultado, os sistemas de saúde precisam de recursos para lidar com a necessidade prevista, tanto nos serviços de atenção primária quanto secundária”, alerta.
“Estes são dados do mundo real e de um grande número de doentes. Confirmam que há taxas elevadas de diagnósticos psiquiátricos depois da Covid-19 e que transtornos graves também afetam o sistema nervoso”.
Max Taquet, também da Universidade de Oxford e um dos autores do estudo, acrescenta que os resultados “indicam que doenças cerebrais e perturbações psiquiátricas são mais comuns depois da Covid-19 do que depois da gripe ou de outras infecções respiratórias” e é preciso saber o que acontece seis meses após a recuperação da Covid-19. “O estudo não identificou os mecanismos biológicos ou psicológicos envolvidos, mas precisamos de uma investigação urgente para os identificar com vista a preveni-los ou tratá-los”.
Os investigadores Jonathan Rogers e Anthony David, da University College de Londres, num comentário ao estudo em questão, referem que “infelizmente, muitas das perturbações identificadas tendem a ser crónicas ou recorrentes, por isso podemos antecipar que o impacto da Covid-19 poderá ficar entre nós durante muitos anos”.
“O estudo não identificou os mecanismos biológicos ou psicológicos envolvidos, mas precisamos de uma investigação urgente para os identificar com vista a preveni-los ou tratá-los”.
Simon Wessley, do Instituto de Psiquiatria do King’s College de Londres, afirma que é “um artigo muito importante” na medida em que confirma que a Covid-19 “afeta o cérebro e a mente em igual medida”. Contudo, destaca que o que é realmente uma novidade “são as comparações com todos os vírus respiratórios ou influenza, o que sugere que esses aumentos estão especificamente relacionados à Covid-19, e não a um impacto geral da infeção viral”.
Por sua vez, Paul Crawford, do Instituto de Saúde Mental da Universidade de Nottingham, admite que ainda é necessário compreender se as morbidades neurológicas e psiquiátricas resultam realmente da infeção pelo novo coronavírus ou “dos efeitos do confinamento e isolamento prolongados, popularmente conhecidos como ‘febre de cabine’, sofridos durante a pandemia”.
“Infelizmente, muitas das perturbações identificadas tendem a ser crónicas ou recorrentes, por isso podemos antecipar que o impacto da Covid-19 poderá ficar entre nós durante muitos anos”.
O Polígrafo contactou ainda dois especialistas nacionais que confirmaram que a interpretação realizada na publicação sob análise está correta. Porém, João Júlio Cerqueira, médico de Medicina Geral e Familiar e criador do projeto Scimed, defende que “é preciso considerar que é um estudo retrospetivo” e “sujeito a muitos fatores confundidores”. “Como dito pelo próprio artigo, são necessários estudos de coorte prospetivos para permitir aferir a validade desses resultados”, sublinha.
Por sua vez, Ana Matos Pires, psiquiatra, acredita que este tipo de estudos são importantes na medida que envolvem “um número elevado de doentes” e são “multicêntricos”.
Os autores do estudo da Universidade de Oxford reconhecem que o estudo apresenta ainda “algumas limitações”, nomeadamente por se desconhecer exatamente qual a precisão dos registos usados e não se conhecer a gravidade das doenças neurológicas e perturbações psiquiátricas identificadas.
A mesma equipa publicou um outro estudo em 2020 onde já era defendido que quem teve Covid-19 tem uma probabilidade maior de ser diagnosticado com transtornos de ansiedade ou de humor nos três meses após a infeção do coronavírus.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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